Fundos de Investimento da Faria Lima funcionam como “caixa-preta”

17 setembro 2025 às 19h40

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Fundos de investimento exclusivos da Faria Lima, principal centro financeiro do Brasil, estão no foco da Polícia Federal (PF) e da Receita Federal. Uma investigação revelou que esses fundos, usados para blindagem patrimonial, esconderam mais de R$ 55 bilhões em operações suspeitas que envolvem organizações criminosas, políticos e empresários endividados.
Segundo o jornal Metrópoles, ao menos 177 fundos de investimento apresentam fragilidades graves: não são listados na Bolsa de Valores, operam sem auditoria ou são considerados inauditáveis pela ausência de documentos.
Muitos possuem apenas um ou dois investidores e, em mais da metade dos casos, o cotista é outro fundo. Essas características levaram autoridades a apontar esses veículos como verdadeiras “caixas-pretas” da Faria Lima, usadas em esquemas de lavagem de dinheiro, fraudes fiscais e disputas judiciais milionárias.
A reportagem analisou 470 demonstrações financeiras disponíveis na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em 71% dos casos suspeitos, auditores declararam não conseguir avaliar os fundos por falta de documentos. Nos outros 29%, não há sequer relatório de auditoria independente.
Entre os pontos críticos são 100 fundos têm apenas um cotista, 71 fundos são compostos exclusivamente por outros fundos e 20 fundos já foram citados em processos por fraude ou crimes financeiros. Um exemplo é a Reag, que sozinha administra 72 fundos considerados caixa-preta, com R$ 45 bilhões em patrimônio líquido.
Investigações da PF e da Receita
As operações Quasar e Tank, da Polícia Federal, apontam que fundos da Faria Lima foram usados para lavagem de dinheiro no setor de combustíveis. Já no Judiciário, a mesma engenharia financeira aparece em fraudes bancárias e disputas empresariais.
Com os dados obtidos em busca e apreensão de computadores e celulares de administradoras, a PF vai aprofundar as investigações para descobrir se o modelo foi usado por organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC).
A Receita Federal já estuda impor regras mais rígidas, exigindo que os fundos de investimento identifiquem o CPF do beneficiário final, para dificultar a blindagem patrimonial e combater crimes financeiros.
A investigação envolve gestoras e administradoras de peso da Avenida Faria Lima, como Altinvest, FIDD, Reag e Trustee, que são investigadas pela PF; Genial, citada em inquérito por fundo suspeito; e Planner, contestada na Justiça por resistir a abrir dados de cotistas.
Entre os casos destacados, estão fundos de barões dos combustíveis investigados por fraude e sonegação, e outro ligado ao empresário João Appolinário, dono da Polishop e ex-jurado do programa Shark Tank Brasil, que enfrenta uma disputa judicial com credores.
Outro exemplo envolve a Reag e a rede atacadista Roldão, em uma transação suspeita de terreno do Jockey Club de São Vicente. Após as operações, as empresas envolvidas emitiram notas de defesa.
A Reag negou relação com o PCC e disse atuar “em conformidade com a legislação”. A Planner afirmou que todos os fundos têm auditoria publicada na CVM. A Trustee informou ter renunciado à gestão de fundos antes da operação.
O Banco Genial disse não ser investigado e que rastreou os beneficiários finais antes de se desligar de um fundo suspeito. A Altinvest repudiou qualquer vínculo com crime organizado.
Já o Roldão declarou que apenas aluga o imóvel em São Vicente e não participa da gestão de fundos. O Jockey Club disse desconhecer a ação judicial. A Polishop afirmou que não comenta processos em andamento, e a FIDD não se manifestou.
O risco dos fundos exclusivos da Faria Lima
Especialistas alertam que, embora nem sempre ilegais, esses fundos exclusivos criam um ambiente propício ao sigilo. Informações sobre ativos investidos são públicas, mas a identidade dos investidores permanece protegida.
Isso transforma os fundos em esconderijos perfeitos para fortunas de origem ilícita. A falta de transparência e o excesso de camadas de fundos dificultam a identificação da origem do dinheiro. Em alguns casos, mesmo após decisões judiciais, os nomes dos cotistas continuam inacessíveis.
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