O Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou para pior as projeções fiscais do Brasil para os próximos anos, prevendo superávit fiscal apenas em 2027, após o término do mandato de Lula. Essas projeções, apresentadas no Monitor Fiscal do FMI, se somam às preocupações de investidores sobre a trajetória fiscal do país após as mudanças nas metas anunciadas recentemente pelo governo.

Para Everaldo Leite, professor da PUC, com doutorado em economia na UNB, há uma contradição nas projeções do FMI. “Ao mesmo tempo que o FMI fala que vai aumentar a dívida, ele reconhece todo o esforço do novo arcabouço fiscal. Essa questão vai depender muito da negociações do governo com o Congresso e com o poder Judiciário . Se comparar o Brasil com outros países, a dívida deles está muito acima”.

No relatório divulgado nesta quarta-feira, 17, o FMI reconheceu o Brasil como um dos países que estão implementando reformas fiscais. O Fundo destacou que o país “aprovou novas regras fiscais e uma reforma tributária no ano passado, com o objetivo de modernizar e melhorar a eficiência do seu regime de impostos”, referindo-se ao arcabouço fiscal.

Antes da mudança nas metas anunciada pelo governo Lula, o FMI já havia feito suas projeções. Na segunda-feira, 15, o governo oficializou a alteração das metas, abandonando o objetivo de superávit primário para o próximo ano. Essa mudança elevou o alerta de risco fiscal e pode ter impactos na inflação e na taxa básica de juros do país, a Selic.

Questionado sobre soluções para o endividamento público, Everaldo apontou caminhos. “Endividamento é tudo o mesmo problema, não tem outro caminho. Você tem aí a negociação do Perse [Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos], tem as emendas parlamentares, a tributação de grandes fortunas (off-shore) e também há uma negociação dentro do G-20 para taxar as grandes fortunas e as transações internacionais, que também é uma alternativa não só para o Brasil, para o resto do mundo”, explica o economista.

Diariamente, surgem novas demandas de gastos no Congresso, porém o governo enfrenta restrições financeiras para atendê-las. Nesse sentido, o economista aponta que é crucial exercer controle sobre esses gastos. O governo também deve reavaliar sua política de despesas, identificando os programas eficazes e aqueles que necessitam de revisão. Essa abordagem tem sido adotada pelo Ministério do Planejamento, resultando em reduções significativas nos gastos, tanto em 2023 quanto em 2024.

Segundo os dados do Monitor Fiscal do FMI, o Brasil deve registrar um déficit primário de 0,6% do PIB em 2024, o que é pior do que a meta de déficit zero e está fora da banda de tolerância, que vai até um déficit de 0,25% do PIB. Para 2025, a projeção é de um déficit de 0,3%. Essas estimativas representam uma piora em relação ao cenário traçado pelo próprio fundo em outubro, que previa um déficit primário de 0,2% do PIB em 2024 e um superávit de 0,2% no ano seguinte. De acordo com o relatório, o governo só deve atingir o déficit zero em 2026 e o superávit (0,4%) em 2027.

Dívida pública

O relatório também atualizou as projeções da dívida pública do governo brasileiro, destacando que esta figura entre as mais elevadas, sendo superada apenas por nações como Egito e Ucrânia em termos de grau de endividamento. De acordo com as estimativas do fundo, a despesa pública encerrará o ano representando 86,7% do PIB e continuará em ascensão nos próximos anos, atingindo 93,9% em 2029.

“No caso da dívida brasileira, eu não vejo descontrole nenhum. Está aumentando? Tudo bem, no mundo inteiro está aumentando. Não vejo esse alarde todo”, explica o economista Everaldo Leite. Com níveis alarmantes no endividamento público nas principais economias do mundo, a dívida global fechou 2023 no maior patamar da história, em quase US$ 310 trilhões. O recorde foi puxado por governos que gastam mais do que arrecadam em impostos, como Estados Unidos, China, Japão e França.

Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o mundo pode estar à beira de uma crise de endividamento público dos países após expansão fiscal “sem precedentes” para combate dos efeitos da pandemia de Covid-19. “Podemos estar à beira de uma nova crise de dívida, com vários países comprometendo partes muito significativas dos seus orçamentos com o serviço da dívida”, disse.

“É evidente que há um aumento na dívida, porém, o Brasil tem empreendido esforços significativos para contê-la. A dívida está crescendo a uma taxa inferior à inicialmente prevista. No próprio relatório do FMI, é perceptível que a trajetória fiscal brasileira indica que, se reconhecermos os esforços do país, a dívida aumentará a um ritmo mais lento do que inicialmente estimado”, pontua Everaldo Leite.

Ele explica ainda que, anteriormente o FMI fez uma projeção mais negativa do endividamento do Brasil, e agora um pouco mais positiva. Embora ainda seja um nível muito elevado, essa projeção representa uma melhora em relação ao relatório anterior, que previa uma dívida de 90,3% do PIB para 2024. Além disso, a projeção de longo prazo também foi revisada para melhor, com a estimativa anterior prevendo que a dívida do país chegaria a 96% do PIB em 2028, enquanto a projeção atual é de 93% para o mesmo ano.