Entenda os possíveis caminhos para a reindustrialização
12 março 2023 às 00h00
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em discurso após ser empossado pelo Congresso Nacional, afirmou que o Brasil é grande demais para renunciar a seu potencial produtivo e defendeu a reindustrialização e a oferta de serviços e insumos no País. Desde então, juntamente com os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, o novo governo tem dado sinais de ter intenção de induzir via Estado a reindustrialização do país.
“Não faz sentido importar combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites. Temos capacidade técnica, capitais e mercado em grau suficiente para retomar a industrialização e a oferta de serviços em nível competitivo”, disse Lula. De acordo com o presidente Lula: “Caberá ao estado articular a transição digital e trazer a indústria brasileira para o Século XXI, com uma política industrial que apoie a inovação, estimule a cooperação público-privada, fortaleça a ciência e a tecnologia e garanta acesso a financiamentos com custos adequados.”
Diversas críticas e contrapontos a esta perspectiva foram feitas desde então. Os economistas Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso, professores da Fundação Getúlio Vargas, publicaram um artigo no jornal “Valor Econômico” (quinta-feira, 16), sob o título de “Não haverá reindustrialização”. No texto, os economistas lembram que a indústria brasileira corresponde a 23,9% do PIB do Brasil, e que este número tende a diminuir em todas as economias maduras, enquanto o setor de serviços passa a ter maior participação.
Além disso, uma industrialização eficientemente integrada significa formação de mão de obra qualificada – o que pressupõe a formação via educação – e aumento da produção energética por vias limpas: dois problemas de longo prazo e para os quais não há solução consensual no Brasil. Em um cenário globalizado, competir com países como a China significa forçar uma desvantagem relativa ao que é importado, como o que se tentou fazer com o nacionalismo de Vargas ou com a “reserva de mercado” durante a ditadura militar; duas experiências desastrosas que isolaram o Brasil.
A proteção do setor público à indústria brasileira, no lugar de fortalecê-la, contribuiu para fragilizá-la, e torná-la menos competitiva. Hoje, incentivos à Zona Franca de Manaus, regimes especiais de tributação e créditos subsidiados do BNDES não criaram uma indústria sólida como a alemã, a americana, a japonesa e a chinesa. O cenário internacional atual, dizem os economistas, aponta para a integração, e não para a segregação.
Em Goiás
Ao longo das últimas décadas, o estado de Goiás apresentou ganhos de participação na renda gerada no país com a ajuda de alguns programas de desenvolvimento e outros de incentivos fiscais. O primeiro programa de incentivo financeiro em Goiás foi o Fundo de Fomento a Industrialização do Estado de Goiás (Fomentar), de 1984. O programa funcionava por meio do financiamento de parcela mensal de ICMS devido pelas empresas beneficiárias.
O programa fez com que a indústria de Goiás multiplicasse sua contribuição por sete em apenas dez anos, mesmo que o Centro-Oeste permanecesse em último lugar em industrialização entre as regiões. Isso aconteceu porque o estado se tornou atrativo para conglomerados industriais interessados em beneficiar produtos agropecuários, segundo Eduiges Romanatto, Marcos Fernando Arriel e Wellington Matos de Lima (gerentes de Estatísticas Socioeconômicas da Secretaria de Estado de Administração, que elaboraram estudo sobre o programa).
Os autores afirmam que foram graças a esses programas que se instalaram no estado os primeiros grandes empreendimentos do ramo de processamento de alimentos, como a Perdigão em Rio Verde. Além de outras importantes indústrias como a automotiva, a mineral que iniciaram o processo de diversificação industrial em Goiás, como John Deere e Mitsubishi em Catalão, Hyundai em Anápolis e o polo farmacêutico de Anápolis com a Teuto, Neoquímica, entre outras.
Os programas não foram perfeitos, entretanto. Apesar dos esforços, fica evidente a alta concentração dos recursos na Metade Sul de Goiás (médias ao redor de 80%), o que tende a manter as desigualdades socioeconômicas. “Ainda hoje”, afirmam, “quando se observa a aprovação de créditos e de obtenção de recursos para aplicação na indústria, a proporção é muito favorável à Metade Sul”. Por isso, o programa Produzir, que substituiu o Fomentar desde 2017, tem limite superior do ICMS financiável para as empresas da região Norte e Nordeste de Goiás.
O desafio
O relativo sucesso dos programas fizeram com que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, na figura do economista Reinaldo Fonseca, chamasse o exemplo goiano de “um caso de sucesso”. O modelo parece apontar para um conceito mais moderno de investimento integrado a todas as áreas da economia, que alavancam umas às outras, sem o aporte de capital intensivo, preferindo a renúncia fiscal estratégica.
É este modelo que defende Dilson Ferreira, coordenador geral do Pensamento Nacional das Bases Empresariais. Sobre o papel do novo Ministro da Indústria e Comércio de Lula, Dilson Ferreira afirma: “O Brasil precisa viver uma vigorosa reindustrialização no prazo mais curto possível, como meio de fortalecer o empreendedorismo, gerar empregos de qualidade, distribuir a renda de modo mais equitativo e posicionar o Brasil no cenário mundial da tecnologia.”
Entretanto, ao contrário do modelo adotado até recentemente – o de “campeões nacionais” que recebem aportes via bancos públicos – Dilson Ferreira acredita que é preciso que o novo Ministro da Indústria e Comércio tenha olhos para a importância das pequenas e médias empresas, na medida em que as novas formas de industrialização não requerem capital intensivo, focando também na importância da boa e rápida formação de mão-de-obra técnica em todo o País, para a indústria, o comércio e a economia verde.
Tanto em Goiás quanto no Brasil, o agronegócio tem sido reconhecido como um vetor crucial do crescimento econômico. Em 2020, a soma de bens e serviços gerados no agronegócio chegou a R$ 1,98 trilhão ou 27% do PIB brasileiro. O setor absorve praticamente 1 de cada 3 trabalhadores brasileiros. De acordo com dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 32,3% (30,5 milhões) do total de 94,4 milhões de trabalhadores brasileiros eram do agronegócio. Quanto ao comércio internacional, 48% das exportações brasileiras, em 2020, foram de produtos do agronegócio.
A escolha pelo agro se deve a diversos fatores, mas o momento pode ser aproveitado para alavancar áreas do crescimento como a indústria, diversificando a economia nacional, afirma o advogado tributarista e contador, Ivo Ricardo Lozekam. Para tanto, a reforma tributária poderia contribuir com a industrialização do país.
O ICMS é um imposto compartilhado entre Estados e Municípios. De todo ICMS arrecadado em cada Estado, 25% pertencem aos municípios. Um valor é adicionado aos municípios em poucas função da contribuição para a arrecadação global do ICMS do Estado. ”O critério de distribuição percentual igualitária do ICMS não é justo”, afirma Ivo Lozekam, “pois a atividade agrícola ou pecuária é isenta ou diferida, ou seja, não tem a incidência do imposto.”
Este é um exemplo de como o modelo atual, de isenções e renúncias, pode prejudicar exatamente a área econômica que quer promover. Ao reduzir impostos sobre a produção pecuária, se reduz também o ICMS recolhido pelos municípios agrários, o que reduz os recursos disponíveis para que o Estado possa investir no desenvolvimento da economia para os setores de indústrias e de serviços. “Em uma reforma tributária considerada justa, aquilo que é produzido em determinado município, ou região, deve em nossa opinião, ter a parte maior do fruto do seu imposto gerado ficar no local onde foi produzido”, diz Ivo Lozekam.
Em 2022, a Associação Pró-Desenvolvimento Industrial do Estado de Goiás (Adial) produziu um projeto de agregação de valor para o setor industrial de Goiás, que viria a ser adotado pelo governador Ronaldo Caiado (UB) em julho sob o nome de Agrego. O projeto se estenderá até 2030 e tem a intenção promover o desenvolvimento neste setor por meio da identificação das competências. Serão analisados também os índices de risco para a realização de investimentos e aporte em ações que visam ampliar a competitividade das empresas, para assegurar o aumento da sua participação no cenário nacional e global.