Veja como Tarcísio Meira ajudou a mudar a imagem do café brasileiro que até então era sinônimo de baixa qualidade

19 julho 2025 às 10h55

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Ainda hoje é recorrente no Brasil, no discurso popular, a ideia que se consome café de baixa qualidade, enquanto os melhores grãos são exportados. Isso já foi verdadeiro, especialmente durante os anos de 1980. Na época, a qualidade do café vendido no mercado interno era frequentemente comprometida por impurezas e fraudes, como a mistura de cevada, milho e até areia aos grãos.
De acordo com os dados da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), em 1989, cerca de 30% do volume comercializado no país era adulterado. Hoje, esse índice está abaixo de 1%.
Naquele período, o controle da produção e comercialização estava sob responsabilidade do Instituto Brasileiro do Café (IBC), órgão estatal extinto em 1989. Seu foco era principalmente na regulação de preços e de volumes, sem mecanismos efetivos de fiscalização da qualidade. A lei de 1978 já estabelecia limites para impurezas — de até 1% — mas sem inspeções rigorosas, o padrão pouco era respeitado.
A interferência do Estado no mercado impedia que produtores e torrefadores fossem recompensados pela qualidade. O tabelamento de preços, usado para combater a inflação, fazia com que cafés excelentes e cafés de baixa qualidade tivessem o mesmo valor final para o consumidor. Sem incentivos, as empresas direcionavam seus melhores lotes para exportação, onde a remuneração era mais alta.
A formação de estoques públicos pelo IBC também contribuiu para a deterioração da imagem do café nacional. Durante os anos 1980, excedentes eram comprados pelo governo para equilibrar os preços e, mais tarde, vendidos no mercado interno. Esses cafés, muitas vezes armazenados por longos períodos, chegavam aos consumidores com sabor comprometido. O resultado foi a queda drástica do consumo: de 4,8 kg por pessoa em 1965 para apenas 2,27 kg em 1989, segundo dados do Inmetro.
A reviravolta começou justamente em 1989, quando o governo transferiu à Abic a responsabilidade pela autorregulação do mercado. Em resposta às pesquisas de opinião que apontavam a desconfiança do consumidor — “todo o café é igual”, “tem mistura”, “o melhor é exportado” — a associação criou o Selo de Pureza, que passou a certificar cafés feitos exclusivamente com grãos.
A iniciativa foi reforçada por uma ampla campanha publicitária estrelada pelo ator Tarcísio Meira, que por cinco anos aparecia nas telas dizendo: “Por trás desse selo, só tem café.” A mensagem ajudou a transformar a percepção sobre o produto nacional, incentivando os consumidores a confiar novamente nas marcas certificadas.
Ao longo dos anos, o programa evoluiu. Hoje, para obter o Selo de Qualidade da Abic, as empresas precisam passar por quatro etapas: análise microscópica de pureza, avaliação sensorial por especialistas, auditoria de boas práticas e fiscalização surpresa em pontos de venda. Os produtos são categorizados entre tradicional, extraforte, superior, gourmet e especial, com critérios rigorosos de sabor e composição.
Em 2023, o governo federal voltou a atuar na regulamentação do café torrado ao publicar a portaria 570, que reforçou o limite de até 1% de impurezas por pacote e proibiu a presença de matérias estranhas como pedras, areia, grãos de outras espécies, corantes e açúcares. A norma ampliou o controle de qualidade e respaldou a atuação da Abic e das autoridades sanitárias.
O mercado de cafés especiais também cresceu a partir dos anos 1990, com a fundação da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA). Os produtores passaram a investir em grãos maduros e livres de defeitos. Embora esse tipo de café ainda seja mais exportado — sobretudo para mercados de alta renda como EUA, Europa e Ásia — o consumo interno vem aumentando. Em 2015, apenas 1% dos grãos especiais ficavam no Brasil; hoje, esse número chegou a 15%.
Com regras mais rígidas, fiscalização aprimorada e consumidores mais exigentes, o Brasil conseguiu reverter o cenário de desconfiança. O café de qualidade passou a ter lugar garantido nas gôndolas nacionais, e a imagem do produto brasileiro evoluiu para refletir o que o país de fato produz: alguns dos melhores cafés do mundo.
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