Espaço Indígena da UFG terá forte conexão com a natureza; conheça parte da história e das lutas dos povos originários
30 julho 2025 às 18h45

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O Espaço Intercultural Indígena da Universidade Federal de Goiás (UFG) está em fase final de elaboração dos projetos executivos e locação de gabarito. A obra faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e deverá ser concluída em julho de 2026. Com o custo de R$ 17,8 milhões, o prazo de entrega estipulado foi de 18 meses.
A primeira professora indígena concursada da UFG, Eunice Pirkodi Tapuia, afirma que é um espaço sonhado desde a sua turma — a de 2007. “É que agora vendo as máquinas e as pessoas empenhadas e trabalhando nesse projeto, e nosso sonho se realizando, nossa confiança e esperança em um mundo mais inclusivo, intercultural e comprometido com a justiça e a diversidade da sociedade brasileira se renova e fortalece nossa forças para lutarmos pelo que somos e queremos”, aponta.
Ela explica que o seu nome “desse mundo” é Eunice, o nome “ancestral” Pirkodi e o nome do seu povo é Tapuia, e acha muito importante ser apresentada assim: “eles dizem quem sou eu”, afirma. “Ter a Universidade Federal de Goiás como parceira nossa é imprescindível e necessário não só pela garantia de chegarmos e permanecermos nesse espaço mas também como exemplo de que saberes tradicionais e a academia podem e devem caminhar juntos e que isso precisa ser realidade em todos os estados brasileiros”, pontua.
O local
O espaço contará com 4 blocos de dormitórios, com capacidade para aproximadamente 200 alunos. Com 1 auditório, 1 refeitório, 1 átrio central para exposições, danças, palestras dentre outras atividades e 1 espaço para redário (lazer). Segundo a UFG, o cronograma de execução está compatível com o licitado. Além disso, o espaço será muitos arborizado, com conexão forte com a natureza.
A instituição ainda aponta que a identidade visual do projeto considera a aplicação de tijolos ecológicos, telhas cerâmicas, acabamentos amadeirados nas estruturas metálicas, forros em lambril, aplicação de grafismos indígenas, cores em tons terrosos e integração com áreas verdes com equilíbrio entre o construído e o não construído.
“O contato com a natureza é muito importante para os estudantes indígenas, nesse sentido, o paisagismo tem o mesmo peso e importância que o espaço edificado, portanto, devem ser tomadas as providências projetuais para garantir a irrigação correta das áreas verdes”, diz a UFG.
Considerando a forma circular da construção, sobre aos problemas de ruídos e a permeabilidade visual, principalmente dos dormitórios, foi proposta a inserção de elementos vazados que funcionam como bloqueadores da incidência solar, o que reduz a carga térmica nos edifícios. A instituição aponta que as demais edificações, por estarem em fachadas Leste e Oeste, também estão protegidas por esses bloqueadores, o que confere à implantação flexibilidade quanto à orientação solar.
Com o nome de Espaço Intercultural da UFG, a ideia é o que o local funcione como um ambiente multiuso para os estudantes indígenas. A obra será erguida em área situada próximo ao Parque Tecnológico, no Câmpus Samambaia.
O projeto é de autoria da arquiteta Lívia Maria Pereira da Silva Moreira, que é coordenadora do Laboratório de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Artes Visuais (FAV/UFG). O espaço contará, também, com um auditório que homenageará a professora Maria do Socorro Pimentel da Silva, que dedicou sua trajetória a formação de professores indígenas, falecida em 2021.
UFG é pioneira
O ex-prefeito de Goiânia, Pedro Wilson, que participa do projeto, explica que a UFG é pioneira nessa luta sobre a questão de moradia indígena nas próprias realidades deles. “Uma grande vitória recente foi a conquista de uma professora doutora indígena na Universidade Federal de Goiás, aprovada por concurso e com título acadêmico”, mencionando a professora Eunice Pirkodi Tapuia. “Pouca gente sabe disso. Ainda são poucos os casos no Brasil, mas importantes. Infelizmente, muitos que chegaram até esse ponto foram descredibilizados”, comenta.
“A educação indígena não deve ser encarada como brincadeira. A gente sempre chama os indígenas para aprender português, mas nunca valorizamos a língua deles. Desde a época da COVID, em conversas com lideranças indígenas de Goiânia, Aparecida, Aruanã e outras localidades, eles sempre reivindicam o ensino de suas línguas e cadernos próprios com conteúdo na língua indígena”, afirma o ex-gestor.
Pedro Wilson aponta que a universidade não é deles, mas poderia ser mais comprometida em trabalhar suas línguas. Segundo ele, recuperar a língua é recuperar também a identidade. “Aprender a língua Karajá, por exemplo, é recuperar o nome e a cultura”, comenta. E continua: “A história de Goiás é contada só a partir do século XVIII, mas já havia presença indígena muito antes. Não existe tribo chamada Goiás; o nome foi cunhado na colonização”, diz.
História de Goiás
O ex-prefeiro expõe que os Caiapó dominaram a região, mas hoje não há nenhum grupo Caiapó em Goiás. O último membro é o cacique Raoni, que está na região amazônica. “O nome de Goiânia surgiu de um concurso realizado nos anos 1930. Havia propostas como Petrolândia, Petrolina. O professor Alfredo de Castro fez um estudo e propôs ‘Goiânia’, juntando ‘Goyá’ com o sufixo latino ‘ania’, que significa nova — ou seja, Nova Goiás”, aponta.
“Após a criação de Goiânia, o processo evoluiu e pouca gente sabe que Goiânia carrega influências do latim, do português e também uma colaboração indígena. Temos diversas cidades em Goiás com nomes indígenas, apesar de a presença indígena ter sido bastante reduzida ao longo dos anos. Seria mais adequado que rios, estradas e cidades tivessem nomes indígenas ou em latim, pois muitas palavras do nosso dicionário são de origem indígena, mesmo tendo sido marginalizadas”, afirma.
Dominação
O ex-gestor aponta que a influência religiosa — da igreja Católica — teve aspectos positivos e negativos, sendo usada também como ferramenta de dominação, mas posteriormente passou a atuar em prol dos povos indígenas. Além disso: “Muitos indígenas não gostam da palavra ‘índio’, preferem ‘indígena’, pois a designação inicial remonta ao erro histórico cometido pelos primeiros colonizadores. Houve destruição da cultura indígena, e, com isso, muitos nomes, como ‘Caiapó’, ‘Goiapó’ e ‘Guiás’, ilustram o apagamento e a adaptação forçada das expressões originais”, diz.
“Existe uma contribuição oral significativa dos povos indígenas ao português brasileiro. Estima-se que entre 20% a 30% das palavras do nosso vocabulário têm essa origem. Goiânia, segundo estudo do professor Alfredo de Castro, significa literalmente ‘Nova Goiás’, com raízes no latim e na língua indígena. Infelizmente, não temos livros correspondentes às línguas indígenas. Aprendemos inglês, francês, italiano e português, mas ignoramos a língua original dos povos brasileiros”, afirma Pedro Wilson.
O ex-prefeito declara que institutos nacionais e estaduais têm feito um trabalho relevante na recuperação da linguagem e memória cultural indígena, mostrando que a língua é do povo. “Muitas políticas públicas indígenas estão previstas no orçamento, mas os recursos não aparecem. É urgente rastrear e garantir esses investimentos. Hoje temos mais de 20 mil estudantes indígenas. O IBGE já elaborou um relatório sobre isso, com base em parâmetros legais e recomendações do Ministério Público Federal [MPF]”, aponta.
Atuais lutas
Pedro Wilson afirma que a luta atual gira em torno da questão do marco temporal: “para mim, o verdadeiro marco é em 1499, anterior à chegada oficial da colonização em 1500”, opina. “Se os povos indígenas já ocupavam essas terras antes, elas devem ser reconhecidas como pertencentes a eles. A legislação não pode expulsá-los novamente”, diz. “A Universidade Federal criou um observatório de políticas públicas para os povos indígenas, contribuindo para a leitura crítica de direitos e deveres”, completa.
“É inaceitável que propostas recentes, como a do governador do Paraná, tentem digitalizar totalmente as escolas indígenas, excluindo a vivência e a presença física. A proposta de criação de bairros indígenas é importante. Já temos exemplos na Europa, e Goiás possui comunidades negras históricas em bairros como o ‘Chupa-osso’. A história indígena precisa ser contada com dignidade. A formação de segunda geração nas cidades exige moradia digna e inclusão sem perder os laços culturais”, reivindica o ex-prefeito.
Goiás
“Em Goiás, há a presença de várias etnias indígenas, embora três sejam mais conhecidas: os Iny/Karajá, os Avá-Canoeiro e os Tapuia. Os Karajá vivem, entre outros lugares, em Aruanã, e também ocupam aldeias na Ilha do Bananal, que se estende por Tocantins. Os Avá-Canoeiro habitam uma área entre Minaçu e Colinas do Sul, enquanto os Tapuia estão presentes na aldeia Carretão, localizada entre Nova América, Rubiataba e o distrito de Guiataba. No total, Goiás abriga mais de quatro etnias indígenas reconhecidas oficialmente.Já o estado do Tocantins possui uma diversidade ainda maior, com mais de 30 etnias distribuídas em dezenas de aldeias. Além dos Karajá, estão presentes os Javaé, Apinajé, Xerente, Krahô, Karajá-Xambioá, entre outros. A Ilha do Bananal é um dos principais territórios indígenas do estado, com várias aldeias habitadas pelos Karajá e Javaé”, explica Pedro Wilson.
Precedentes
O ex-gestor comenta que em Salvador e São Paulo, tivemos muitas cidades com bairros demarcados. “Em Goiânia, o pessoal dizia: ‘Esse pessoal aqui é da Bahia’, porque os baianos assumiram a atividade de pedreiro e eram os melhores mestres de obra”, recorda. “No setor do Vico, a dona Débora e dona Jerina, com o filho dela, montaram o bairro Pelotão Teixeira, que era principalmente um bairro dos baianos que vieram e ficaram na beira do córrego Botafogo, até chegar ao setor Universitário. Ali teve uma briga danada, porque os moradores queriam ficar perto do centro, mesmo sem loteamento. Depois vieram as políticas de melhoria urbana”, completa.
“Por que os indígenas não têm também seus bairros? A Vila Nova, por exemplo, tem grande parte formada por baianos. Goiânia tem 22 bairros que tiveram presença quilombola. Essas comunidades vieram do Rio de Janeiro, depois migraram para Brasília por questões de saúde e outras necessidades. Transformaram o espaço em centro de audiovisual. Queremos que os bairros onde houver presença indígena possam ser reconhecidos e valorizados, com moradias adequadas. A Universidade Federal de Goiás tem tradição e pode incorporar o melhor da cultura indígena”, afirma Pedro Wilson.
Luta em Goiânia
Pedro aponta que estão trabalhando a ideia de criar uma vila, um bairro — um grupo de moradias —onde os indígenas tenham um lugar para ficar quando passam por Goiânia, como fazemos quando vamos a São Paulo ou ao Rio e procuramos parentes. “O desafio é que as cidades estão crescendo e atropelando as questões culturais. O setor do Rio, que era distante, hoje está verticalizado e central em Goiânia”, explica.
Espaço na UFG
O ex-prefeito finaliza apontando que que tudo isso será integrado nesse novo espaço, para que seja um local de estudo e recepção dos povos originários.
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