Por aclamação em reunião extraordinária, o Conselho Universitário (Consuni) da UFG aprovou nesta sexta-feira, 21, no auditório da Biblioteca Central, no Campus Samambaia, a concessão do título de doutora honoris causa à professora, jornalista e poeta Leodegária Brazília de Jesus. A proposta foi feita pelo Câmpus Goiás, por meio das Unidades Acadêmicas Especiais de Ciências Sociais Aplicadas e de Ciências Humanas, e pela Faculdade de Direito.

O título será publicado em 8 de agosto, data de nascimento da homenageada, em cerimônia na abertura das comemorações dos 125 anos do curso de Direito da UFG. Leodegária nasceu em Caldas Novas e foi a primeira mulher negra a publicar um livro de poesias em Goiás: Corôa de Lyrios, editado em 1906. É considerada precursora da literatura feminina no Estado, além de um expoente na luta pela igualdade de gênero.

O parecer apresentado ao Consuni ressalta que o título é uma reparação histórica, pois, apesar da proeminência intelectual de Leodegária, ela foi impedida de cursar Direito na Academia de Direito de Goiás em razão da discriminação de raça e gênero e de perseguições políticas. “Reconhecer a grandiosidade dos movimentos realizados por Leodegária Brazília de Jesus nos aproxima de uma reparação necessária e também nos reposiciona, viabilizando-se assim a oportunidade de colocarmo-nos contra um perverso processo de apagamento de que ela foi alvo, reinserindo-a em ambientes das quais nunca deveria ter sido excluída”, diz o parecer.

Leodegária foi contemporânea e parceira literária de Cora Coralina | Foto: Reprodução

A reitora da UFG, Angelita Pereira de Lima, destacou a importância da homenageada para a história do jornalismo de Goiás devido ao semanário A Rosa, que ela fundou juntamente com Cora Coralina, Alice Santana e Rosa Godinho e foi o primeiro jornal criado por mulheres no Estado, em 1907.

Filha do casal de professores José Antônio de Jesus e Ana Isolina Furtado Lima de Jesus, Leodegária nasceu em 1889, mas a família se mudou para Jataí quando ela tinha apenas 2 meses. Estudou no Colégio Sant’Ana, na cidade de Goiás, e foi uma figura importante no desenvolvimento da educação escolar, da literatura e da imprensa goiana. Seu maior destaque, no entanto, foi com a poesia, na publicação de dois livros. Ela morreu em 1978, em Belo Horizonte.

A comissão responsável pelo parecer foi composta pelas professoras Margareth Arbués, Luciana Dias, Camila Caixeta, Karla Hora e Nyuara Araújo.

Abaixo, dois poemas de Leodegária de Jesus:

SUPREMO ANELO

Voltar a ti, ó terra estremecida,
E ver de novo, à doce luz da aurora,
O vale, a selva, a praia inesquecida,
Onde brincava pequenina outrora;

Ver uma vez ainda essa querida
Serra Dourada que minh’alma adora;
E o velho rio, o Cantagalo, a ermida,
Eis o que sonho unicamente agora.

Depois… morrer fitando o sol no poente,
Morrer ouvindo ao desmaiar fagueiro
Da tarde estiva o sabiá dolente.

Um leito, enfim, bordado de boninas,
Onde dormisse o sono derradeiro,
Sob essas verdes, plácidas colinas.

MEU DESEJO

Não quero o brilho, as sedas, a harmonia
Da sociedade, dos salões pomposos,
Nem a falaz ventura fugidia
Desses festins do mundo, tão ruidoso!

Prefiro a calma solidão sombria,
Em que passo meus dias nebulosos;
Sinto-me bem, aqui, à sombra fria
Da saudade de tempos mais ditosos.

Eu quero mesmo, assim, viver de lado,
Das multidões passar desconhecida,
Me alimentando de algum sonho amado.

Nada mais quero, e nada mais aspiro:
Teu casto afeto que me doira a vida,
Meus livros, minha mãe e meu retiro.