A Cartografia da Palavra e a Solidão Pública

15 setembro 2025 às 11h56

COMPARTILHAR
A obra de Aidenor Aires, um nome de destaque na literatura goiana, se notabiliza por uma profunda exploração da linguagem e da condição humana. Dois conceitos centrais, a cartografia da palavra e a solidão pública, emergem como pilares de sua escrita, revelando a densidade de sua reflexão sobre o indivíduo e a coletividade.
O conceito de cartografia da palavra é introduzido por Aires no livro Geografia da Palavra (2010), onde a linguagem é tratada não apenas como um instrumento de comunicação, mas como um espaço complexo de enraizamento e deslocamento. O autor propõe que a palavra pode ser tanto uma “pátria”, um lar de pertencimento, quanto um “exílio”. Nessa perspectiva, cada texto se torna um território a ser mapeado, onde as palavras traçam as coordenadas da experiência íntima e pública.
A reflexão do autor dialoga diretamente com a tradição de pensadores que reconheceram a palavra como o verdadeiro lar do homem. O poeta e ensaísta mexicano Octavio Paz (1914-1998) é uma referência clássica nesse sentido. Em seu ensaio “O Arco e a Lira”, Paz afirma que a linguagem é a morada da poesia e do pensamento, o lugar onde o homem se constitui. Outro nome fundamental é o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976). Em Carta sobre o Humanismo ele cunhou a famosa frase “a linguagem é a morada do ser”, sugerindo que nossa existência e compreensão do mundo são inseparáveis da linguagem. Para Aires, essa cartografia é traçada pela solidão, pois “toda fala é resposta ao silêncio, e todo silêncio é um território não mapeado” (AIRES, 2010, p. 47). Essa visão ressoa a ideia de que a escrita e a fala são tentativas de dar forma ao indizível.
Já a reflexão sobre a solidão pública ganha um aprofundamento significativo no livro homônimo de 2014. Nele, Aires se debruça sobre a experiência da vida urbana contemporânea, marcada por uma paradoxal mistura de superexposição e isolamento. O autor critica uma sociedade em que a comunicação de massa e a conectividade constante parecem apenas acentuar o sentimento de alienação.
Essa análise se aproxima das críticas feitas por autores clássicos que investigaram a sociedade moderna. O sociólogo francês Guy Debord (1931-1994) é um dos mais notáveis. Em A Sociedade do Espetáculo, ele argumenta que a vida social foi transformada em uma coleção de espetáculos, onde a verdadeira interação humana é substituída por imagens. Essa superficialidade espetacular é um dos motores da solidão pública. Outra pensadora crucial é a filósofa política Hannah Arendt (1906-1975). Em As Origens do Totalitarismo, Arendt distingue a solidão do isolamento. Para ela, o isolamento é a ausência de contato com outras pessoas, enquanto a solidão é a condição mais profunda de não conseguir encontrar sentido e pertencimento no mundo. A solidão pública de Aires é, portanto, a manifestação dessa solidão arendtiana em meio à multidão, uma perda de conexão que ocorre mesmo quando estamos cercados por outros.
Em última análise, as duas ideias se entrelaçam. A cartografia da palavra de Aidenor Aires é a forma como ele busca dar sentido ao deserto da solidão pública, utilizando a linguagem para mapear o território da existência e encontrar, nas palavras, um caminho para a conexão humana, mesmo que essa busca seja, em si, um ato de solidão.
Referências e Bibliografia
- AIRES, Aidenor. Geografia da Palavra. Goiânia: Kelps, 2010.
- AIRES, Aidenor. A Solidão Pública. Goiânia: Kelps, 2014.
- ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
- DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
- HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o Humanismo. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991.
- PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. Trad. Olga Savary. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.