O resgate dos livros: surpreendentemente, número de livrarias cresce em Goiás
03 janeiro 2024 às 11h44
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Quem vive com os livros parece ser incorrigível: cria novos mundos, procura respostas, namora o improvável, recusa o inexequível. Foi diante do “improvável”, que a empreendedora Melissa Pomi contou ao Jornal Opção porque decidiu abrir a livraria Pomar dentro do imponente Shopping Flamboyant. Contrariando o senso comum e a imprensa que noticiou o fechamento de redes de grandes livrarias no ano passado, dados da Juceg mostram que nos últimos dez anos o setor cresceu 44% saindo de 206 em 2013 para 369 em 2023 no Estado de Goiás. Os números mostram que apenas em Goiânia existem 204 empresas ativas com comércio de livros.
Dentro desse contexto, foi inaugurado em dezembro de 2023 o espaço da livraria Pomar dentro do maior shopping do Centro-Oeste, com a promessa de cultivar o amor pela leitura entre os goianos. Em entrevista exclusiva, Melissa Pomi, a empreendedora por trás desse projeto ambicioso, compartilhou os bastidores dessa iniciativa inspiradora que começou há muitos anos quando ela passou a frequentar uma livraria específica em São Paulo, que chama Panapaná. “Depois com a chegada dos meus filhos, ir a essa livraria passou a ser um passeio recorrente. Tanto pela beleza, quanto pela importância e desejo de que meus filhos pudessem consumir ou estar em contato com a literatura. Os nossos passeios de final de semana eram ida à livraria e ao parque”, relembra.
Melissa conta ainda que a semente da ideia para a Pomar no Flamboyant foi plantada por Alessandra Lousa, uma das administradoras do shopping, que reconheceu a carência de uma livraria no local. “Como ela já conhecia o meu trabalho (era cliente da livraria de rua) surgiu esse convite para a gente pensar em uma forma de levar a Pomar para dentro do centro de compras”, contou.
Ao ser questionada sobre sua escolha de empreender no ramo da literatura, Melissa revela que a decisão surgiu após uma transição significativa de sua carreira corporativa para algo que lhe trouxesse alegria diária e tivesse um impacto social positivo. “Eu virei livreira perto dos 40 anos. Foi com 37 anos que eu decidi sair do mundo corporativo e dedicar meu tempo a algo que eu tivesse alegria de acordar todos os dias e fazer, considerando principalmente uma atividade que tivesse um impacto social”, contando como a literatura se tornou a ferramenta perfeita para essa missão.
A paixão da empreendedora pela literatura ilustrada nasceu da maternidade. Foi observando o impacto positivo que os livros ilustrados tinham no desenvolvimento das crianças que ela percebeu a importância de estender essa experiência aos adultos. “Os livros ilustrados trazem uma proposta de ampliação do texto na imagem, de ampliação da história com as imagens. Essa ampliação vem tanto no sentido de complementação, quanto no sentido de contradição e de retificação”, explica Melissa.
Para Melissa, existe um jogo entre imagem e texto que pode fazer o leitor ampliar um pouco a sua visão e a sua percepção e entendimento da história. “A gente sabe que o livro, depois que sai das mãos dos autores e dos ilustradores, deixa de ser uma obra deles, ele passa a ser uma obra do leitor, que vai acessar aquele conteúdo junto ao seu repertório de vida, de experiências, de conhecimentos. Então, nem sempre aquilo que o autor oferece, o ilustrador oferece, é aquilo que o leitor acessa. Às vezes ele acessa mais, acessa coisas diferentes (…) enfim, cria-se o sentido do conteúdo a partir do olhar desse observador”, reflete.
Melissa avalia que sua jornada no universo da Pomar tem sido intensa, trabalhando incansavelmente para trazer uma experiência única aos frequentadores da livraria. Mesmo diante dos desafios administrativos e do esforço dedicado, ela entende que existe um compromisso em cultivar um espaço que vá além da venda de livros, mas que também seja um ponto de encontro para os amantes da literatura em Goiânia.
Para a empreendedora, a falta de prioridade dada à literatura na vida das pessoas é um dos principais obstáculos para o crescimento do setor. “Acredito que dentro de 10 famílias, três vão ter o hábito de leitura dentro de suas casas. Então, isso acaba favorecendo um distanciamento das pessoas com os livros. (…) Além disso, é preciso considerar as dificuldades sociais, financeiras, políticas e sociais que vão afetando um pouco essa questão de manutenção financeira dos espaços de livros. Aliado a isso, tem ainda a diminuição da procura do livro físico e outros problemas”, resumiu Melissa.
Continuamente, o cenário literário no Brasil enfrenta desafios, mas enquanto grandes redes enfrentam dificuldades de adaptação a novos modelos de negócios, Melissa destaca o surgimento de livrarias menores e em locais estratégicos, apostando em curadorias distintas para atrair públicos específicos. “Por isso, é preciso uma curadoria um pouco diferente para atrair nichos de pessoas que veem a relevância da literatura para os seus hábitos”, finalizou.
Interesse pela leitura
Pesquisas recentes revelam perspectivas promissoras e alertas significativos para o Brasil, destacando a necessidade de uma maior consolidação do hábito da leitura. Segundo dados do Pisa 2018, dentre os 79 países avaliados, o Brasil apresenta o maior índice de estudantes (19,6%) que afirmam ter lido textos mais longos, com uma página ou menos, no ano em questão. Esse número contrasta consideravelmente com a média de apenas 5,5% nos países desenvolvidos da OCDE.
Por outro lado, ao analisar os alunos que declaram ter lido mais de 100 páginas, observa-se uma disparidade significativa. Enquanto a média entre os países da OCDE é de 41,8%, no Brasil, apenas 9,5% dos estudantes relatam tal prática. A América Latina como um todo apresenta índices mais favoráveis, com a Argentina registrando 25,4% e o Chile surpreendendo com 64% dos estudantes alegando terem lido mais de 100 páginas.
A falta de familiaridade dos estudantes brasileiros com a leitura torna-se evidente em avaliações internacionais, como o Progress in International Reading Literacy Study (Pirls). Nesse contexto, o Brasil, entre as 65 nações participantes, obteve resultados superiores apenas aos da Jordânia, do Egito e da África do Sul. Além disso, o país aparece estatisticamente em empate, dentro do intervalo de confiança, com Irã, Kosovo e Omã.
Diante desse cenário, investir em programas de incentivo à leitura, especialmente direcionados às crianças mais vulneráveis, torna-se fundamental. Essa iniciativa não apenas impacta positivamente o sucesso escolar individual, mas também desempenha um papel crucial no desenvolvimento do país, conforme evidenciado pelas constatações sobre o tema.