Linguagem neutra pode modificar a língua portuguesa, analisa professor da UFG
21 janeiro 2023 às 07h30
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Há quem goste de utilizar a famosa e polêmica “linguagem neutra” em suas comunicações diárias, uma forma de neutralizar o gênero gramatical em substantivos diversos. O movimento recente tem ganhado cada vez mais força dentro do cenário brasileiro e até mesmo mundial, especialmente entre os jovens. Basicamente, seriam aquelas palavras que aparecem com “x”, “e” e até mesmo “@” no lugar de uma vocal associada a gênero de uma palavra, como “todxs”, todes” ou “tod@s”, para substituir o uso de ‘todos’ ou ‘todas’ e não fazer diferenciação entre os alvos.
Além da linguagem neutra, o idioma também passa por transformações a partir do uso de termos de outros diversos idiomas, principalmente o inglês. Mesclando palavras em português com termos de línguas diversas, inclusive até “aportuguesando” certas terminologias, o movimento é conhecido como “estrangerismo”. No Brasil, a prática também é percebida entre , aqueles que empregam idiomas indígenas para ajudar a resgatar e manter a cultura dos povos originários brasileiros numa forma de resistência, por assim dizer.
Apesar de serem movimentos linguísticos diversos, com motivações e objetivos diferentes, de uma certa forma, todas as situações ilustradas acima estão no mesmo balaio. Segundo o professor Cristóvão Giovani Burgarelli, docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE-UFG), essa relação entre linguagem, ideologia e sociedade pode ser considerada uma “luta”.
“Uma língua, como por exemplo o português, pode se modificar ao longo do tempo devido às mudanças sociais, às ideologias que as sustentam e ao jogo de força disputado nas relações de poder e, consequentemente, autoafirmações de diferentes identidades”, explicou o professor, que também é doutor em linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em entrevista para o Jornal Opção.
Ou seja, segundo o professor, a língua pode ser alterada com o passar do tempo, seguindo as outras mudanças na sociedade, mas não é um processo tão simples quanto parece.
Evolução histórica
“Em questão de séculos, um idioma pode se transformar em outro e também pode se extinguir. No entanto, isso passa despercebido em cada comunidade ou geração que a utiliza, justamente por nela se constituir as mudanças. Embora seja uma grande ilusão pensar que um conjunto de pessoas possa mudar a língua de um modo conscientemente programado, é inegável que ela se transforma devido ao uso no decorrer de um longo período de tempo”, destacou Burgarelli.
No caso específico da linguagem neutra, ele observa que o estilo está sendo utilizado cada vez mais, mas não consegue prever o futuro por conta de todo o processo histórico-dialético que ocorre. Dessa forma, ele classifica a situação como uma “luta”, algo que também considerou até “demasiadamente utópico”.
“Alguns usos com o de desinências para a marcação do neutro, tanto podem enfraquecer ou continuar frequentes somente em grupos específicos, quanto podem ganhar forças e se constituir como propulsores de mudanças mais radicais”, contou.
As alterações mais substanciais também podem ser percebidas na relação do português com outros idiomas. “Dessa vez, o jogo de forças é inverso. A língua mais poderosa pode afetar muito mais facilmente aquelas com menos prestígio; pode inclusive engoli-las”, alertou o docente da UFG. Ele destaca ainda que as grades curriculares de alguns cursos universitários possuem matérias que contribuem para o processo do “estrangeirismo”. “O ponto preocupante desse fenômeno é quando a língua de uma nação é deixada de lado; vai-se desvalorizando até ser de fato trocada”, completou.
Preservação
Ao mesmo tempo que idiomas podem suprimir outros, algumas iniciativas buscam preservar línguas e evitar o desaparecimento de características típicas de certas linguagens. É o que acontece, por exemplo, com alguns idiomas falados por povos indígenas.
Cristóvão classifica o movimento como “interessante”, não por causa do impacto na língua, mas porque busca garantir a preservação da cultura dos povos originários. “Agora estamos diante de tecnologias, como dicionários e teclados com a grafia indígena, que são bons instrumentos que contribuem para registrar, solidificar e difundir uma descoberta ou uma mudança pretendida. Penso que esses aparelhos técnico-científicos podem sim provocar transformações na língua portuguesa, mas arrisco dizer que elas serão pequenas, até mesmo porque mais importante do que mexer diretamente no português é a dimensão do resgate”, salientou o professor da UFG.