“Pela estrada da vida, vou correndo e não posso parar”. O trecho da canção de Milionário e José Rico faz jus à carreira que Idelmarcia Fonseca Rodrigues, de 58 anos, decidiu seguir: caminhoneira. Apaixonada pelas rodovias, a ex-professora abriu mão da sala de aula para dirigir rumo a um sonho de infância e lá se vão 24 anos de história. 

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Desde de criança vendo o pai e os três irmãos à frente de caminhonetes e grandes veículos de carga, que transportavam laticínios, Idelmarcia, que é natural de Iporá, decidiu que seguiria os mesmos passos da família. Porém, foi apenas nos anos 2000, após um divórcio aos 34 anos, que Marcinha, como costuma ser chamada, viu no veículo a oportunidade de sustento e realização pessoal.

A entrada na profissão, na época predominantemente dominada por homens, não foi fácil. Apesar de ter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) categoria A e E, foi em sua primeira carreta que aprendeu a dirigir, trabalhando de forma autônoma por cerca de 15 anos, entregando frutas por todo o território brasileiro. 

“Sou pedagoga e dei aula durante 8 anos pelo Estado de Goiás e pela Prefeitura de Iporá. Comprei uma carreta e foi nela que aprendi a dirigir com a ajuda dos meus irmãos. Hoje eu trabalho para uma empresa e penso em me aposentar nela”, explicou.

Mãe de dois filhos e avó de três netos, Marcinha conta que a vida na estrada é satisfatória, mas não é fácil. A caminhoneira conta que as refeições, normalmente, são feitas no próprio veículo que é equipado com utensílios de cozinha, incluindo fogão. A apreciação da comida, quando não está chovendo, é feita na própria sombra do veículo, que também serve de casa, onde os caminhoneiros costumam dormir na cabine. 

A higiene e os perigos da estrada também são alvo de preocupação, principalmente acidentes. Marcinha diz ter sofrido apenas um acidente, mas relata ter passado por diversas situações na qual, por pouco, não houve uma colisão.

“Hoje o dia a dia na estrada é maravilhoso porque tem muitas mulheres dirigindo. Quando comecei era difícil e teve um episódio que me marcou. Uma vez, no meu próprio caminhão, fui carregar em Cajamar, em São Paulo, mas não me deixaram entrar porque era mulher e não deixavam entrar. Era complicado até na hora de abastecer nos postos”, explicou.

Comida preparada pela caminhoneira | Foto: arquivo pessoal

“Garoto de programa de posto”

Mesmo depois de 24 anos como profissional, Marcinha afirma que ainda se depara com preconceitos envolvendo o machismo. A mulher diz que é comum outros colegas de profissão confundirem caminhoneiras com garotas de programa em postos de combustível, normalmente usados como ponte de descanso pelos motoristas. 

Marcinha, no entanto, não deixa se abalar, visto que “corre diesel”. Ela afirma ainda que a profissão lhe proporcionou muitas aventuras e vivências “incríveis”, além de amizades por todos os cantos que passou.  

“Se eu for em Belém tenho amizade, assim como em Porto Alegre, São Paulo, Ceará. A estrada é mágica. O motorista começa a trabalhar cedo. Quando você acorda e puxa a cortina, se depara com aquele sol raiando. Sempre tem alguma coisa para registrar e todo dia é alguma coisa diferente, nada é igual”, explicou. 

Saudade da família 

Nem toda profissão é um mar de rosas, conforme a caminhoneira. Marcinha diz que de todas as dificuldades, a maior é ficar longe da família. Aniversários e datas comemorativas com os entes queridos, como Natal e Ano Novo, são raros para a condutora. 

Ainda de acordo com ela, em alguns dias a saudade aperta o peito, mas a satisfação de estar na estrada vai além da solidão. Recentemente, a mulher precisou ficar dois meses em casa por conta de uma cirurgia, mas já estava “louca” para voltar a dirigir. Faltando três anos para se aposentar, Marcinha pensa em continuar trabalhando depois de atingir o benefício.

“Hoje a internet é boa demais, faz muita coisa pelo telefone, como vídeochamada, mas a saudade é grande. Tem dias que o coração bate bem forte de saudade”, concluiu.  

Marcinha almoçando em baixo da sombra da carreta | Foto: arquivo pessoal