O Dia Internacional da Mulher, celebrado na próxima sexta-feira, 8, é uma data dedicada ao reconhecimento das conquistas sociais, políticas, econômicas e culturais das mulheres ao redor do mundo. Além de destacar a luta contínua pela igualdade de gênero e pelos direitos das mulheres. Com objetivo de combater a violência doméstica e familiar contra a mulher em Goiás, o Batalhão Maria da Penha da Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO) foi criado em 2015 e oficializado com a lei nº 20.868, sancionada pelo governador Ronaldo Caiado (UB) em outubro de 2020.

Primeiro no País, o Batalhão Maria da Penha é uma unidade policial especializada que recebe esse nome em homenagem à Lei Maria da Penha, uma legislação brasileira que busca combater a violência contra a mulher. A unidade especializada se dedica ao acompanhamento de medidas protetivas de urgência, atuando de forma multidisciplinar para garantir a segurança e o bem-estar das vítimas. 

A incidência de feminicídios no Estado aumentou significativamente, registrando um aumento de 121,4% nos primeiros semestres de 2019 e 2022, passando de 14 para 31 casos. É importante ressaltar, porém, que os dados podem ser subnotificados. Em 2022, segundo os dados apresentados no último balanço da SSP, foram 55 registros, valor que se repetiu em 2023.

“O aumento de ocorrências é fantástico. Porque isso quer dizer que está surgindo efeito e a mulher está tendo coragem de fazer a denúncia, antes ficava velado e hoje ela vê a visita, a prisão e se sente protegida. Quando a gente para na casa de uma vítima, a visita do lado se encoraja também. O mal existe, mas o bem também existe e, enquanto houver o bem, não temos que temer o mal”, explicou a Major Raquel, subcomandante do Batalhão Maria da Penha. 

Ela ressalta, porém, que o aumento no número de casos de feminicídio é lastimável. “Estamos sem casos de feminicídio na cidade desde o início do ano”, completou a Major. Apesar da estabilização dos feminicídios entre 2022 e 2023, em relação a violência doméstica contra a mulher, as ameaças subiram de 15,8 mil para 18,1 mil, crescimento de 14,3%. As lesões corporais aumentaram de 11,3 mil para 12,4 mil, acréscimo de 10%. Os crimes contra a honra, que incluem calúnia, injúria e difamação, subiram de 11,4 mil para 13 mil, crescimento de 13,4%. O estupro foi o único crime que apresentou queda. Em 2022, foram 419 e, em 2023, 384.

Em comparação com o período entre 2021 e 2022, houve um crescimento de 34,8% nos números de feminicídio, colocando o estado como o sétimo com maior aumento no Brasil, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Especialistas apontam que a pandemia da Covid-19 desempenhou um papel importante nesse aumento, uma vez que muitas vítimas passaram mais tempo em casa com os agressores, exacerbando situações de violência doméstica. 

Dentre as competências do Batalhão de Polícia Militar Maria da Penha está a prestação de atendimento policial militar de natureza preventiva às mulheres identificadas como vítimas de violência doméstica e familiar, especialmente por meio de visitas comunitárias e solidárias. A autoridade policial também deverá, entre outras providências, garantir proteção e comunicar de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário a agressão. 

Composto por policiais militares capacitadas e sensibilizadas para a questão da violência de gênero, o Batalhão oferece um atendimento humanizado e personalizado às mulheres em situação de risco. As medidas protetivas de urgência, como a Lei Maria da Penha prevê, são acompanhadas de perto pela equipe, que realiza:

Visitas domiciliares regulares: As policiais visitam as vítimas periodicamente para verificar se as medidas protetivas estão sendo cumpridas e se elas estão se sentindo seguras.

Monitoramento eletrônico: Em casos de risco grave, as vítimas podem ser monitoradas eletronicamente por meio de tornozeleiras eletrônicas.

Ações de prevenção e conscientização: O Batalhão também promove palestras, workshops e campanhas de conscientização sobre a violência doméstica em escolas, comunidades e empresas.

Ao receber a solicitação da mulher, o batalhão entra em ação, realizando o recebimento da medida protetiva. Imediatamente, é feita uma ligação para confirmar o endereço e o telefone da vítima. Durante a visita, informações essenciais, como números de emergência, são fornecidas à vítima para uso em casos de descumprimento. Atualmente, embora as medidas tenham inicialmente um prazo padrão de 180 dias, essa validade pode variar conforme a necessidade específica da situação. 

O Jornal Opção visitou o Batalhão e conversou com duas integrantes: a Major Raquel, Subcomandante, e a Sargento Maysa. Conheça um pouco mais de suas histórias.

Major Raquel – Subcomandante

Major Raquel – Subcomandante do Batalhão Maria da Penha. | Foto: LéoIran

Tudo teve início na infância dela, quando tinha entre 8 e 10 anos. Naquela época, ela pôde acompanhar sua tia Rosalba Cavalcanti, que foi uma das pioneiras na segunda turma de policiais femininas, em 1986, no Estado de Goiás.

“Ela foi a minha inspiração e naquele momento em que eu a via na Academia, desfilando, vestindo a farda, eu ficava imitando ela marchar. Acho que ali surgiu o desejo genuíno mesmo de servir a sociedade e as forças de segurança pública”. 

Ela viu esse sentimento crescer ao longo dos anos. Ingressou no colégio militar no primeiro turno do concurso e descreve aqueles anos como os de ouro, repletos de boas lembranças e conquistas, alimentando assim seu sonho. Entrou na faculdade com o objetivo de se preparar para o concurso da Polícia Militar, que na época passou a exigir o ensino superior. 

Formou-se, então, em Direito enquanto se preparava para os concursos. Inicialmente, foi aprovada como policial penal, passando pelo curso de formação, mas logo em seguida foi convocada para ingressar como soldado da Polícia Militar do Estado de Goiás. Após completar o curso de formação, foi novamente convocada para participar do curso de oficiais, onde permanece até hoje, seguindo sua carreira como oficial.

“A vida só foi feita de coisas muito grandiosas. Coisas que às vezes eu nem imaginava, Graças a Deus eu tenho realizado e vivenciado o sonho de servir a sociedade na área de segurança pública. Já são quase 14 anos de instituição de Polícia Militar, e atualmente eu estou no subcomando do Batalhão Maria da Penha. 

O Batalhão Maria da Penha é reconhecido por sua atuação incisiva em todo o estado de Goiás. Sua presença não se limita apenas à capital, Goiânia, onde está sediado, mas se estende também às áreas rurais por meio de patrulhas especializadas.

“Por iniciativa do governador e do comandante-geral, a gente consegue agora essa capilaridade em todo o estado. O coração é aqui em Goiânia, mas no interior nós temos os núcleos e as patrulhas de Maria da Penha. Todos os atendimentos aqui no primeiro CRPM, que é a capital, nós atendemos. Aparecida, por exemplo, já é uma patrulha, que atua como se fosse o batalhão, com as mesmas prerrogativas”

A patrulha do Batalhão Maria da Penha desempenha um papel crucial na proteção das vítimas, oferecendo acompanhamento, acolhimento e atendimento direto às pessoas afetadas pela violência. Atuando como um braço operacional do batalhão, essas equipes combatem ativamente a violência doméstica, fornecendo assistência médica e social às vítimas e suas famílias. Embora a maioria dos membros da patrulha seja composta por mulheres, homens também fazem parte da corporação. 

“É interessante a gente ter sempre na viatura a composição de um homem e uma mulher. A nossa atuação sempre é a composição de uma viatura com homem e mulher para equilibrar a força policial e o atendimento. É a mulher que faz esse contato com a vítima porque de mulher para mulher há ali uma confiabilidade e um compartilhamento de experiências”

Ela explica que  os homens que atuam no Batalhão são treinados e orientados para terem essa consciência de não serem preconceituosos ou fazer qualquer tipo de julgamento, mas de realmente levar o afago para a vítima. “Porque é isso que ela precisa, né? Às vezes ela não precisa nem de uma cesta básica, igual nós fazemos a doação também, mas ela precisa só ser ouvida, sem julgamentos”

Muitas vezes, as vítimas não conseguem encontrar apoio em suas próprias famílias, no ambiente de trabalho ou na escola. Por isso, acabam recorrendo ao Estado, à polícia ou a alguma força de segurança em busca de ajuda. “No primeiro contato do Batalhão, normalmente a vítima está muito abalada psicologicamente. 

No primeiro atendimento, a viatura diária da Polícia Militar intervém quando a vítima liga para o 190, quando um vizinho denuncia o caso ou quando ela entra em contato com o comandante do policiamento da unidade. A atuação do Batalhão Maria da Penha consiste em acompanhar e fiscalizar a medida protetiva de urgência, deferida pelo Poder Judiciário para proteger a vítima. Essa medida pode ser decretada de várias formas, como o afastamento do agressor por determinada distância. Além disso, o agressor não pode ter contato com a vítima, seja por meio de redes sociais ou por telefone, pois isso configura ameaças e outros crimes.

“A gente faz esse acompanhamento diário para ver se realmente está sendo cumprida essa medida. Após o deferimento da medida protetiva de urgência, a equipe faz a primeira visita presencial. Ela está machucada, está com medo. ‘Será que realmente funciona? Será que eu realmente estou segura? Será que se ele se aproximar eles vão chegar a tempo? Às vezes está machucada fisicamente, psicologicamente e, muitas vezes, possuem filhos e família desestruturada”

E então, todas as preparações são feitas, com atenção especial das policiais femininas em se apresentarem, expressando que estão ali para ouvir e acolher. Se houver necessidade, são fornecidos itens de subsistência, como cestas básicas, produtos de higiene pessoal, fraldas e leite para bebês, graças a parcerias com o Ministério Público e o Tribunal de Justiça. Esse cuidado surpreende as mulheres, que se sentem livres para falar, percebendo que realmente estão sendo ouvidas. A meta é realizar visitas a cada 40 dias, mas elas têm conseguido visitá-las a cada 20 dias. 

Quando a vítima chega ao ponto de expor, denunciar e levar ao poder judiciário, ela já vem sofrendo há um tempo. “Hoje atendemos uma vítima que tem medida protetiva e o ex-companheiro tentou acertá-la com um martelo. Às vezes ela volta na vontade de reconstruir a família e acaba se aproximando”. São várias dependências, emocionais, psicológicas, financeiras e tem a questão do sentimento também, mas ela deve se questionar se isso é realmente amor? Porque amor não é ser denegrida, ser rebaixada e ser machucada”.

Ela explica que há um ciclo de violência contra a mulher. A primeira pesquisadora a identificar esse ciclo e a entender que os agressores seguem um padrão de comportamento foi a psicóloga norte-americana Lenore E. Walker. As conclusões dela foram feitas na década de 1970, depois de entrevistar mais de 1.500 vítimas de violência doméstica. O ciclo foi descrito da seguinte forma:

  • Construção das tensões: ocorrem o controle do comportamento, o isolamento da mulher, ofensas verbais e humilhações
  • Explosão da violência: há agressão física, violência patrimonial, violência moral, violência sexual ou violência psicológica
  • Lua de mel: o homem pede perdão, enche a mulher de promessas de mudança, há reconciliação e reconstrução do vínculo

“A partir do momento, que a mulher é ameaçada, criticada constantemente e colocada pra baixo, é preciso começar a se atentar aos sinais. Muitos humens usam a técnica do Gaslighting, que é a manipulação psicológica, chamam a mulher de louca e tentam culpabilizar ela ainda. O que está em jogo? Sua vida e sua liberdade”, explicou a Major Raquel.

Para ela, o principal solução para o combate à violência é a educação e a conscientização ainda na infância. Segundo Raquel, é preciso conscientizar as bases da sociedade, que são as crianças.

Sargento Maysa

Sargento Maysa. | Foto: LéoIran

A sargento Maysa está na Polícia Militar há dez anos e há cerca de um ano e meio começou a integrar o Batalhão. Sua rotina começa cedo, por volta das cinco da manhã, quando prepara sua marmita e café antes de ir para a academia. Ao chegar no trabalho, recebe missões que geralmente incluem cerca de 15 acompanhamentos a serem realizados.

Cada dia, eles focam em uma área específica, como o 9º Batalhão, onde fazem visitas domiciliares e telefonemas para as mulheres sob proteção. Muitas vezes, as mulheres não estão em casa devido ao trabalho, então a equipe tenta contatá-las por telefone. Quando possível, conversam pessoalmente, com o policial masculino mantendo-se afastado para que a mulher se sinta mais confortável ao relatar problemas.

Em alguns casos, como quando há descumprimento das medidas protetivas, ela orienta as mulheres sobre os próximos passos e a importância de ligar para a polícia em caso de emergência. A equipe também responde diretamente a chamados do copom, indo ao local para investigar relatos de agressão ou descumprimento das medidas protetivas. Embora nem sempre consigam prender o agressor em flagrante, fazem o possível para garantir a segurança das mulheres e encaminhá-las para as autoridades adequadas.

Eles não se limitam apenas a assistidas, muitas vezes ajudando outras mulheres que buscam auxílio, pois veem na polícia sua única saída em situações de violência doméstica. No Batalhão Maria da Penha, conseguem oferecer acolhimento, ouvindo e compartilhando com as vítimas, proporcionando conforto e apoio.

“É um trabalho inestimável, pois além de suprir necessidades básicas da família, como alimentação para as crianças, também recebemos um sorriso e palavras de gratidão que valem mais do que qualquer pagamento. Proteger e acolher essas mulheres é mais do que uma teoria, é uma prática que vivenciamos diariamente, vendo-as verdadeiramente protegidas e amparadas”.

Para mulheres que se sentem violadas, abusadas ou agredidas, o contato com o Batalhão pode ser feito pelo whatsapp, aplicativo ou presencialmente, no setor Coimbra, próximo ao supermercado Hiper Moreira, em Goiânia. O contato pode ser feito pelo número (62) 9 9930-9778.

Além do whatsapp, as denúncias também podem ser feitas por meio de um aplicativo, disponível para dispositivos móveis Android e IOS. Ele oferece às mulheres a possibilidade de denunciar situações de violência ou pedir ajuda de maneira rápida, segura e sigilosa, fortalecendo as ações de proteção à integridade física das vítimas.

O aplicativo Mulher Segura, lançado pelo Governo de Goiás como parte das iniciativas de combate à violência contra mulheres, registrou mais de 10 mil downloads em pouco mais de seis meses desde o seu lançamento nos sistemas iOS e Android. Desenvolvida pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP-GO), a ferramenta complementa outras medidas já implementadas, como o Pacto Pelo Fim da Violência Contra a Mulher, a criação da Delegacia Estadual de Atendimento Especializado à Mulher (Deam), o Protocolo Todos Por Elas e a expansão do Batalhão Maria da Penha para os 246 municípios goianos.

Batalhão Maria da Penha, no setor Coimbra, em Goiânia. | Foto: Jornal Opção

Checklist sobre situações de violência

1 – Vigia e\ou controla o que você faz?
2 – costuma demonstrar ciúmes com frequência?
3 – a proíbe de visitas familiares e de manter relações de amizade?
4 – a critica por qualquer coisa que faz, veste come ou pensa?
5 – a proíbe, ou atrapalha, de trabalhar e ou estudar?
6 – a xinga ou humilha diante de familiares ou amigos?
7 – briga com você ou a critica sem motivos aparentes?
8 – a ameaça, faz chantagens e\ou a acusa de coisas que você não fez?
9 – controla o dinheiro e a obriga a prestar contas, mesmo quando você trabalha?
10 – já chegou a destruir seus objetos pessoais de valor sentimental e/ou objetos da casa?
11 – diz que se você não for dele não será de mais ninguém, ameaçando-a caso o abandone?
12 – a atinge emocionalmente, fazendo com que você se isole e tenha vergonha de contar a alguém sobre a violência vivenciada?
13 – faz questão de lhe contar que tem arma de fogo ou a exibe para você?
14 – chegou a agredi-la fisicamente (bater, empurrar, chutar, beliscar, puxar o cabelo)?
15 – já chegou a agredir ou agrediu outro membro da família?
16 – já a agrediu utilizando objetos ou utensílios domésticos?
17 – a fez sentir culpada pela violência sofrida?
18 – a obriga a manter relações sexuais contra a sua vontade ou se envolver em atos sexuais que você não aprecia?
19 – as brigas e as agressões estão ficando mais graves?

Respondeu sim em uma das situações? Fique atenta! Situações assim sugerem que você pode estar sendo vítima de violência doméstica.

As informações foram retiradas da cartilha “Todos por Elas – Pacto Goiano pelo fim da violência contra a mulher”.

Cartilha “Todos por Elas. | Foto: PMGO