Seleção na copa do Mundo, Neymar e Richarlison: o brasileiro é um feriado

25 novembro 2022 às 10h07

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Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos. — Nelson Rodrigues
João Paulo Teixeira
Especial para o Jornal Opção
Nelson Rodrigues, de quem sou fã (lendo, inclusive, a biografia dele de Ruy Castro, “O Anjo Pornográfico”) resumiu o brasileiro em umas das suas grandes frases apoteóticas, que compõe a gênesis desse país continental cravado nas américas latinas, misturados com hermanos, caribenhos, espanhóis, jesuítas e outros desgarrados que cá chegaram: o brasileiro é um feriado.
E tem dia santo mais sagrado que dia de Copa?

Ganha de goleada do Natal, da Ação de Graça dos Americanos, ano do macaco dos Vietnamitas. O brasileiro — nas palavras do seu melhor cronista esportivo, irmão até do sujeito que batizou o Maracanã — é mesmo um feriado.
Começo de Copa então, como o caso de quinta-feira (24 de novembro de 22), é um portal para outra dimensão. Buraco de minhoca verde-amarelo. Ficou para ontem dores, STFs, levantes de sargentos, causos de ET’s que chegam em Porto Alegre (por sinal, se um ET descer numa rua do país, em dia de jogo de Copa, vai ficar falando sozinho e talvez mande a transmissão: “O planeja existe, mas não é habitado”). Está no pretérito as agonias, frustrações.
Hoje, só por hoje, paira no ar a alegria, o amarelo, um sentimento de mandar tudo com as panças: “Hoje não, hoje tem jogo”. “Amanhã a gente vê, né.”

Não tem médico que opere 16 horas, nem que seja caso batendo às portas da morte. Não há bombeiro que socorra incêndio, por maior que sejam as labaredas, 5 da tarde em pleno começo de Copa. Infeliz é quem quer morrer ou sofrer incêndio hoje.
É bom que seja assim.
Pelo menos uma vez a cada quatro anos somos saudados como a maior nação do mundo. Das favelas, do Congresso — sem parafrasear, já parafraseando a Legião Urbana —, no Mato Grosso, Minas Gerais, tudo em paz.
Nosso verde e amarelo tremula nas janelas, nas marquises.
Somos festejados, lugar de irreverência, carnavais, pagode, um verdadeiro livro do Sebastião Salgado feito em imagens para americanos e europeus.
Até os indianos, indus, gente que entende nada de bola, desembargou no árido Catar vestindo a amarelinha.
Contra a Sérvia (este artigo está sendo escrito antes do jogo por que esse escrevinhador pouco entende da tática futebolística) é 100% coração. E é só o que basta.

No começo da transmissão, Tite, petista e corintiano de cara, vestes e alma, deixou o ônibus da seleção, na porta do estádio do Catar, e já foi “batendo o relves” com o canarinho mascote da seleção.
Estava de bom humor. E é mesmo para estar: seu desempenho é positivo (só perdeu uma, para a Argentina, logo para ela, na final da Copa América).
Tite e os jogadores brasileiros fizeram eliminatórias brilhantes, subiu sem perrengues e até matemáticos dão o Brasil como o vitorioso da Copa.
O que pega é: matemático inglês não compreende Nelson Rodrigues. Jogo de bola não é feito de probabilidades. Futebol é um resumo da vida.
O que acontece ali, dentro das quatro linhas, naquelas temperaturas e pressões, só acontece ali. O antes e o depois não mais interessam. São 90 minutos e os acréscimos e só.
Na copa, Neymar, que coleciona bilhões em euros, quer algo maior, mais caro, mais perene que a fortuna. Hoje quer eternizar-se na matéria que o tempo não apaga. Quer escrever seu nome na história eterna do futebol.
Bolsonarista que é, Neymar (corajoso em expor uma opinião pessoal ao Planeta) até prometeu que não deixa o Mito virar chacota e sair pela porta dos fundos.
Entrega a ele (se Deus quiser) a taça e uma camisa suada do Catar, sumo do triunfo saído do deserto (que cacofonia).
Deu a hora da Copa. O trânsito já se engarrafa nas metrópoles. Buzinas, vuvuzelas, músicas Whaka Whaka, propagandas do Itaú, da Vivo, do Guaraná, da Brahma se misturam em cores, formas, barulhões galvãos Buenos e os novos narradores do Twitter.
É Copa no Brasil.
Faça um esforço, puxe a memória: você se lembra de onde estava em 1994, quando o Baggio chutou aquele balaço fora do estádio. Você se lembra de 2002? Eu, na época, estava me preparando para um transplante.
Lembramos (oô, como lembramos) do 7 a 1, dos memes, das cenas, do choro. Lembramos da Copa aqui no Brasil (fui em seis jogos em Brasília, no Mané Garrincha) e as campanhas da seleção na Rússia, agora impedida de participar por causa da guerra.
Ser brasileiro é pautar a vida por balizas que a Fifa constrói a cada quatro anos.
Solte seu grito de gol, ajude a aumentar o faturamento da Globo. Deixe tudo de lado por quê: é Copa no Brasillzzilll.
João Paulo Teixeira, é publicitário, dono da Agência Mind.