Iúri Rincon Godinho

Não começou a final e aviso: sou Argentina. Dependesse de mim, a gente falava espanhol. Qual o sentido termos a América do Sul e um terço da América do Norte hablando e a gente falando? Isso nos afastou de nossos vizinhos hermanos. Não conhecemos a música feita na Argentina, Uruguai, Peru. Só sabemos da Shakira, que, de vez em quando, nem é mais colombiana. Não conhecemos a culinária, os costumes e muito mal a literatura (exceto Borges, argentino, e Neruda, chileno). Somos uma ilha gigante de português mergulhados em nossa ignorância e isolamento.

Antes de começar, já chorei pelo Galvão, parecendo o Ángel Di María. Por ele diretamente, não, mas pela bela atitude da Fifa de deixá-lo começar a narração de seu último jogo dentro do campo — onde só podiam entrar argentinos e franceses.

A Argentina começa vigorosa, enfiando o pé na bola e no adversário. Dezesseis minutos e a França não entrou em campo. A marcação dura anula os azuis. Di María tem um espaço inacreditável para jogar, que a gente não deixa nem em pelada de campo de terra, um time com e outro sem camisa pra diferenciar.

Mbappé: o francês sozinho é quase uma seleção | Foto: Reprodução

Aí teve o pênalti. Por mim nem batia, já colocava a bola no meio e toca o jogo. Messi é o bloco de gelo com o qual o Titanic da França colidiu. Argentina 1 a 0.

Dale.

Agora que a França tomou o gol vai pra cima. Só que não. A estratégia parece suicida: atrai a Argentina para tentar um contra-ataque que não consegue armar. Tinha de dar errado. Em cinco toques, de tanto jogar sem marcação, Di María 2 a 0.

Dale, dale.

O jogo está bom, mas me desconcentro com um carrinho empurrando uma bola que passa no painel de led do fundo do campo. Sensacional.

A França volta remoçada. Então, pênalti. Mbappé faz. Como um raio, pega a bola no fundo do gol. Já não tem cara de derrota.

Ale le bleu.

E como um relâmpago, 2 a 2.

Ale le bleu. Ale le bleu.

Merecer não merece, mas a vida é esse espetáculo de improbabilidades. O imponderável, o Sobrenatural de Almeida de que falava Nelson Rodrigues. O arrepio que varre os corpos. E a França vira a Argentina: martela, martela, martela. Empate e fim de jogo.

Na sensacional prorrogação, em que as equipes jogavam igual e perdendo gol sobre gol, a justiça se fez: Messi desempata.

Dale. Dale. Dale.

E veio uma mão na bola e o Mbappé fez de novo. Novo empate.

Ale le bleu. Ale le bleu. Ale le bleu.

Vamos aos pênaltis. E aí, pessoal, teve o Mbappé. Insuficiente.  Argentina é campeã com méritos. Dale. Dale, dale. Dale, dale. Dale, dale.

França vice consagrada. Foi épico, monumental. É bom estar vivo para assistir este jogo. Ninguém perdeu e todos voltam heróis para a casa. Daqui uns tempos teremos estátuas destes times em praças públicas.

E eu quero uma selfie lá.

Bueno, bueno, bueno. De Galvão? Não, de bom. Devíamos mesmo falar espanhol… para ler Cervantes, Borges, César Vallejo e Lezama Lima no original.