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Iúri Rincon Godinho

Especial para o Jornal Opção

É difícil torcer contra o México. Eles são pequenos e fofos, cheios de ruínas maias e os malucos e coloridos da lucha libre com máscaras psicodélicas.

Mas também é complicado torcer contra a Argentina. Tirando o futebol, los hermanos guardam o Abaporu, lá no Malba, são exagerados e ficam até tarde festando nas ruas. Criam o melhor rock da América Latina com Fito Paez (um gênio) e Charly Garcia (um gênio aposentado).

Só que aqui não é cultura nem turismo. É Copa do Mundo. Queria a Argentina surrada e los hermanos com ressaca de tequila. O único brasileiro que torce pra Argentina é o ortopediatra baiano Duda Sampaio, esquartejado nas redes sociais diariamente.

Gol de Messi e frango do goleiro mexicano | Foto: Reprodução

Começa o jogo e me divido: um olho na tela e outro na biografia do ator Luiz Fernando Guimarães. Ele foi internado por causa da bebida. Tem um casamento homoafetivo de 30 anos e adotou dois irmãos. Depois dos 40 anos vi que meu tempo diminuía e resolvi priorizar a leitura — e lá se vão 18 anos (uma decisão maior de idade). Sorry, futebol.

Quinze minutos e bocejo. Nem um chute perigoso, nada de botinadas. Luiz Fernando Guimarães toma antiansiolítico. Não precisava. Bastava assistir o jogo. Sono.

O México manca. Só cai pela direita. Messi é um fantasma, uma aparição holográfica do Star Wars. Ele está ali mas parece feito de vento. Um espírito que masca chiclete

Ambos os times usam Adidas, a alemã que faz os modelos mais bacanas do futebol desde os anos 1970. A camisa é melhor que o jogo. O México Octavio Paz e Frida Kahlo manca. Só cai pela direita. Messi é um fantasma, uma aparição holográfica do Star Wars. Ele está ali mas parece feito de vento. Um espírito que masca chiclete.

Vou ali cortar a unha.

Livro de Luiz Fernando Guimarães ajuda a ver os jogos da Copa do Catar | Foto: Iúri Rincon Godinho

Luiz Fernando relata os filmes que fez. Nenhum de futebol. Nada de futebol. No filme “O Que É Isso Companheiro?” fez o papel do motorista que sequestrou o embaixador norte-americano nos anos 1970 sem saber que seu irmão havia sido o motorista do sequestro na vida real. O jogo? Ah, sim, o jogo. O México bateu uma falta daquelas que valorizam o goleiro: um chute devagar, alto, ideal para o que a gente chamava de “ponte”. Ele foi lá no alto, esticou a mão, caiu segurando a bola. As pessoas que assistem ao jogo, todas brancas, aplaudem. Acaba o primeiro tempo.

Messi volta do vestiário e bate uma falta na beira da grande área como um jogador do Madureira. Longe.

De repente a holografia, o espectro, o zumbi dá um chute fraco e rasteiro da entrada da área. O goleiro não chega a tempo. Todos exaltam a genialidade, a estrela de Messi, ninguém fala que foi um quase frango. A humanidade só enxerga os vencedores. Madureira 1 X México 0.

O jogo anima. Luiz Fernando fica de lado. O México vai com tudo, atabalhoado. O argentino Enzo Fernandes sai do banco de reserva. Quem? Jogador do Benfica, segunda divisão informal do futebol europeu, menino de 21 anos. Com um drible curto, acerta o ângulo do goleiro mexicano. Fez um golaço de Messi em seus melhores dias. Enzo vira o Richarlison dos argentinos.

Como diz o Luiz Fernando Guimarães, “a festa está dentro de nós”. No caso, dos argentinos aliviados.

Iúri Rincon Godinho é escritor e jornalista.