Escreveu a poeta portuguesa: “A hora da partida/soa quando escurece o jardim/e o vento passa, estala o chão/e as portas batem, quando a noite/cada nó em si deslaça”

A mulher e a poesia como que resultam de um processo de simbiose, cruzam semelhantes caminhos, comungam idêntica ternura e se identificam em semelhante acervo de humanismo.

Poesia de Cora Coralina
Cora Coralina: poeta | Foto: Reprodução

Em Goiás a poesia tem seu ressonante lugar graças a criaturas como o príncipe Léo Lynce e Cora Coralina, que nos legou mensagens fascinantes como esta:

Quis ser um dia jardineira de

um coração. Sachei, mondei — nada

colhi. Nasceram espinhos e

nos espinhos me feri.”

Cora Coralina, cuja velha casa junto da ponte sobre o Rio Vermelho recendia avencas e o carinhoso aroma dos doces, enquanto a cidade entardecia sob o dobre dos sinos das antigas igrejas.

Poesia de Cecília Meireles
Cecília Meirelles: poeta brasileira | Foto: Reprodução

A mulher e a poesia caminham juntas, algumas com o andar suntuoso de poemas como os de Cecília Meireles, cuja mensagem nos comove:

Por mais que te celebre, não me escutas,

embora em forma e nácar te assemelhes à concha

soante, à musical orelha que

grava o mar nas íntimas volutas.

Poetas são os supremos artífices das metáforas, ingressam em universos privilegiados pela natureza, captam emoções intransponíveis e assumem dimensões espirituais fora do alcance dos comuns.

Poesia de Sophia de Mello Breyner
Sophia de Mello Breyner: poeta portuguesa | Foto: Reprodução

A poesia lhes é como um passaporte para terrenos além do natural. Poetas enxergam com redobrado panorama o vigor da floresta, o brilho do lugar e o sublime encanto do mar. É por esta razão que, no idioma português, ninguém cantou o fascínio marítimo com tamanha beleza como a portuguesa Sophia de Mello Breyner. Ela nasceu perto do mar. Na infância, sentiu a brisa marinha junto à praia da Granja, junto à Vila Nova de Gaia, na área metropolitana da cidade do Porto. Seu canto também soprava pela liberdade política, em corajosa defesa da democracia, quando Portugal enfrentava a ditadura.

Sophia de Mello Breyner falava com doçura até da hora da partida:

A hora da partida

soa quando escurece o jardim

e o vento passa, estala o chão

e as portas batem, quando a noite

cada nó em si deslaça. A hora da

partida soa quando as árvores parecem

inspiradas. Como se tudo

nelas germinasse. Soa quando no

fundo dos espelhos me é estranha

e longínqua a minha face. E de

mim se desprende a minha vida.