Simbiose entre a mulher e a poesia: Cora Coralina, Cecília Meireles e Sophia de Mello Breyner

14 março 2021 às 00h00

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Escreveu a poeta portuguesa: “A hora da partida/soa quando escurece o jardim/e o vento passa, estala o chão/e as portas batem, quando a noite/cada nó em si deslaça”
A mulher e a poesia como que resultam de um processo de simbiose, cruzam semelhantes caminhos, comungam idêntica ternura e se identificam em semelhante acervo de humanismo.
Poesia de Cora Coralina

Em Goiás a poesia tem seu ressonante lugar graças a criaturas como o príncipe Léo Lynce e Cora Coralina, que nos legou mensagens fascinantes como esta:
“Quis ser um dia jardineira de
um coração. Sachei, mondei — nada
colhi. Nasceram espinhos e
nos espinhos me feri.”
Cora Coralina, cuja velha casa junto da ponte sobre o Rio Vermelho recendia avencas e o carinhoso aroma dos doces, enquanto a cidade entardecia sob o dobre dos sinos das antigas igrejas.
Poesia de Cecília Meireles

A mulher e a poesia caminham juntas, algumas com o andar suntuoso de poemas como os de Cecília Meireles, cuja mensagem nos comove:
“Por mais que te celebre, não me escutas,
embora em forma e nácar te assemelhes à concha
soante, à musical orelha que
grava o mar nas íntimas volutas.”
Poetas são os supremos artífices das metáforas, ingressam em universos privilegiados pela natureza, captam emoções intransponíveis e assumem dimensões espirituais fora do alcance dos comuns.
Poesia de Sophia de Mello Breyner

A poesia lhes é como um passaporte para terrenos além do natural. Poetas enxergam com redobrado panorama o vigor da floresta, o brilho do lugar e o sublime encanto do mar. É por esta razão que, no idioma português, ninguém cantou o fascínio marítimo com tamanha beleza como a portuguesa Sophia de Mello Breyner. Ela nasceu perto do mar. Na infância, sentiu a brisa marinha junto à praia da Granja, junto à Vila Nova de Gaia, na área metropolitana da cidade do Porto. Seu canto também soprava pela liberdade política, em corajosa defesa da democracia, quando Portugal enfrentava a ditadura.
Sophia de Mello Breyner falava com doçura até da hora da partida:
“A hora da partida
soa quando escurece o jardim
e o vento passa, estala o chão
e as portas batem, quando a noite
cada nó em si deslaça. A hora da
partida soa quando as árvores parecem
inspiradas. Como se tudo
nelas germinasse. Soa quando no
fundo dos espelhos me é estranha
e longínqua a minha face. E de
mim se desprende a minha vida.”