“Percebi uma coisa: a ditadura, o governo vai perceber que por trás dessa música não tem quem segure o momento da anistia”, disse Henfil, irmão de Betinho

No noticiário da televisão sobre a morte do compositor, escritor e psiquiatra Aldir Blanc apareceu cena de Elis Regina cantando “O bêbado e a equilibrista”. Mais uma comprovação de que nenhuma cantora se iguala a ela.

Aldir Blanc escreveu em 2012: “‘O bêbado e a equilibrista’ foi aprendida com João Bosco uma hora antes de um programa de TV entrar no ar e cantada só com o violão do Bosco, pela urgência que Elis teve de comunicar ao Brasil de Marias e Clarices o sentimento que a música despertou nela”. A música, na voz de Elis, se tornou o “Hino da Anistia”.

Quando escutou a música pela primeira vez, o cartunista Henfil, irmão de Betinho, disse: “Quando acabou a música, percebi que a anistia ia sair. Estávamos no começo da campanha, que juntava quinhentas pessoas na rua. Eu percebi uma coisa: a ditadura, o governo vai perceber que por trás dessa música não tem quem segure o momento da anistia. Escrevi para o meu irmão Betinho para ele se preparar. ‘Agora nós temos um hino, e quem tem um hino faz uma revolução.’ No dia em que meu irmão chegou, ainda havia um clima de saber se ele ia ser preso ou não. Todas as pessoas levaram um gravador com a fita da música. A TV Globo botou a música no ar. Betinho chegou, e no mesmo dia levei-o ao Anhembi para ver o show de Elis. Ela interrompeu o espetáculo para dizer que um dos motivos daquela música, graças a Deus, estava presente. Já tinha voltado o irmão do Henfil. Era como se Elis me dissesse: ‘Estamos quites’. E aí ela não me olhava de um jeito culpado”.

Elis Regina, João Bosco e Aldir Blanc | Foto: Reprodução

Elis Regina morreu no início de 1982, aos 36 anos, em São Paulo. Alcir Blanc morreu em 2020, aos 73 anos.

O bêbado e a equilibrista

Aldir Blanc

Caía a tarde feito um viaduto

E um bêbado trajando luto

Me lembrou Carlitos

A lua tal qual a dona do bordel

Pedia a cada estrela fria

Um brilho de aluguel

 

E nuvens lá no mata-borrão do céu

Chupavam manchas torturadas

Que sufoco!

Louco!

O bêbado com chapéu-coco

Fazia irreverências mil

Pra noite do Brasil

Meu Brasil!

 

Que sonha com a volta do irmão do Henfil

Com tanta gente que partiu

Num rabo de foguete

Chora

A nossa Pátria mãe gentil

Choram Marias e Clarisses

No solo do Brasil

 

Mas sei que uma dor assim pungente

Não há de ser inutilmente

A esperança

Dança na corda bamba de sombrinha

E em cada passo dessa linha

Pode se machucar

 

Azar!

A esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista

Tem que continuar