Antes o poder militar de um general, o filósofo Unamuno disse: “!Viva la vida!”

09 maio 2021 às 00h00

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Militares apontaram armas para a cabeça de Miguel de Unamuno, mas o pensador espanhol não recuou e se manteve firme em sua crítica
Na década de 1930, quando o ódio político criou verdadeira insanidade na Espanha, e a guerra civil matou mais de 1 milhão de pessoas, não obstante perseguido, um homem de grande sabedoria e humanidade enfrentou todos os riscos e continuou defendendo as liberdades. Este homem foi Miguel de Unamuno, na época reitor da histórica Universidade de Salamanca. Os fascistas criaram a frase “!Viva la muerte!”, a qual ele rebateu, afirmando em um discurso: “Viva la vida!”

Millan Astray gritou “!Viva la muerte!”, após professor Francisco Maldonado criticou o nacionalismo basco, “que descreveu como ‘câncer da nação’, que precisava ser curado com o bisturi do fascismo”, o filósofo e reitor da Universidade de Salamanca disse: “Todos vocês esperam as minhas palavras. Vocês me conhecem e sabem que sou incapaz de ficar em silêncio. Às vezes o silêncio é mentir. Pois o silêncio pode ser interpretado como concordância. Quero comentar o discurso, se é que se pode chamá-lo assim, do professor Maldonado. Vamos deixar de lado a afronta pessoal implícita na explosão súbita de vitupérios contra os bascos e catalães. Eu mesmo, claro, nasci em Bilbao. O bispo, quer queira ou não, é catalão, de Barcelona. Bem agora ouvi um grito necrófilo e sem sentido: ‘Viva a morte!’ E eu, que passei a vida criando paradoxos, devo dizer-lhes, com autoridade de especialista, que este paradoxo estranhíssimo me é repulsivo. O general Millán Astray é um aleijado [havia perdido um braço e era cego de um olho]. Vamos dizê-lo sem rodeios. É um aleijado de guerra. Cervantes também era. Infelizmente há aleijados demais na Espanha hoje em dia. E logo haverá mais ainda se Deus não vier em nosso auxílio. Dói-me pensar que o general Millán Astray deva ditar o padrão da psicologia de massas. Um aleijado sem a grandeza de Cervantes tende a buscar consolo calamitoso provocando mutilação à sua volta. O general Millán Astray gostaria de recriar a Espanha, uma criação negativa à sua própria imagem e semelhança; por essa razão, deseja ver a Espanha aleijada, como sem querer deixou claro”.
Revoltado com a crítica corrosiva de Unamuno, o general Millán Astray replicou: “‘!Muera la inteligência! !Viva la muerte!’” Aliados o militar apontaram armas para a cabeça de Unamuno, que, ainda assim, fulminou: “Este é o templo do intelecto e sou eu o sumo sacerdote. É o senhor que profana este recinto sagrado. O senhor vencerá, porque tem força bruta mais que suficiente. Mas não convencerá. Pois para convencer precisará do que lhe falta: a razão e o direito em sua luta. Considero inútil exortar o senhor a pensar na Espanha”.
Falangistas só não lincharam o filósofo basco porque a mulher de Franco impediu. Mas o generalíssimo sugeriu que Unamuno deveria ter sido fuzilado. “Isso não foi feito por causa da fama internacional do filósofo e da reação causada no exterior pelo assassinato de Lorca. Mas Unamuno morreu seis semanas depois, deprimido e amaldiçoado como ‘vermelho’ e traidor por aqueles que pensou eram seus amigos”, postula o historiador britânico Antony Beevor.