Dizem que o homem faz e acontece (ou desfaz e não acontece) porque é o único animal que sabe que vai morrer.

E esta é, dizem, a única certeza do pobre homo sapiens neste vasto mundo: sua morte.

Por analogia, todo sujeito também tem certeza da morte de seus semelhantes.

Foi essa, aliás, a grande angústia da minha primeira infância.

Descobri a morte aos 6 anos, quando perdi meu primeiro amigo num atropelamento.

Depois disso, adquiri um medo insano de ficar pra semente, como então se dizia.

Era o avesso do medo de morrer: eu temia que as pessoas amadas morressem todas antes de mim.

Antes de morrer, passado dos 100 anos, o arquiteto Oscar Niemeyer deu uma entrevista que reavivou esse meu temor de infância.

Ele disse que a grande desvantagem da longevidade não é a degradação física, mas a inevitável perda de amigos e entes queridos. Numa palavra, para Niemeyer, o mal de viver demais era a solidão.

São comuns histórias de pessoas idosas que não suportam a viuvez e morrem logo em seguida. Soube de um velhinho cardíaco que, após a morte da mulher, suspendeu os remédios por conta própria e morreu de solidão.

Há também aqueles velhos graves, que a cada perda vão ficando mais e mais calados e imersos em seu mar de lembranças e esquecimento.

E há ainda velhos, como a minha nonagenária tia Joana, que depois de tantas perdas conservam a lucidez e a ternura dos que, à sua maneira, se aproximam de Deus antes de conhecer a morte.