Gilvane Felipe pediu pra sair da cadeira de secretário estadual de cultura de Goiás. Fez bem.

Deve ser  insalubre permanecer à frente da pasta da cultura num governo cuja Secretaria da Fazenda tem por esporte favorito apupar artistas goianos.

Marconi precisa se definir entre o “governador que mais fez pela cultura em Goiás”, autoproclamado em reunião com artistas ocorrida no início do ano no Palácio das Esmeraldas, e o gestor pródigo em publicidade e austero nas artes.

Naquela reunião o governador reparou um “erro técnico” na distribuição do recém aprovado Fundo Estadual de Cultura.

Agora, os recursos do Fundo estão com quatro meses de atraso e o secretário da Fazenda diz que serão liberados em cinco parcelas a partir de agosto.

A briga da Cultura com a Fazenda não é de hoje. Artistas que tiveram seus projetos aprovados via Lei Goyazes já viram os recursos atrasarem, minguarem ou simplesmente evaporarem.

Enquanto secretário, Gilvane sempre comprou a briga, mas aparentemente sem apoio nem na base nem no topo do governo.

Na base do governo Marconi (e de qualquer governo), é raro encontrar algum parlamentar que tenha apreço pela cultura – exceto a da soja, do algodão, da cana, etc.

Já no topo do governo, se é verdade que o governador tem uma relação antiga com o segmento cultural, essa boa relação não tem sido suficiente para evitar os atrasos e cortes de repasse de recursos impostos ao setor pela equipe técnica da Fazenda.

Sem sustentação nem na base nem no topo – que tem outras prioridades que não a cultura –, e atropelado pela inculta sanha fazendária, Gilvane pediu pra sair do governo. Mas não rompeu com o governador.

Fiel a Marconi desde o movimento estudantil – em detrimento de partidos, do PC do B ao PSDB –, Gilvane não tem o perfil do operador político goiano tradicional.

Com origem na esquerda acadêmica e mestrado na Sorbonne, ele não tem paciência para o bruto jogo da “realpolitik”, nem se encaixa em nenhum dos diversos grupos que gravitam em torno de Marconi – para o bem ou para o mal.

À frente da Secult, do Sebrae ou da Sectec – cargos que ocupou nos governos Marconi –, seu grande e único trunfo sempre foi a amizade e o respeito do governador.

Usado com mais moderação do que desejavam seus poucos companheiros, esse trunfo logrou despertar a inveja e a ira dos seus não raros desafetos.

Agora, Gilvane sinaliza para Marconi que não deseja mais ocupar uma pasta acossada pelo estrangulamento fazendário.

O novo titular da Secult, Aguinaldo Caiado de Castro Aquino Coelho – ou Aguinaldo Coelho, como prefere –, talvez tenha mais traquejo para administrar a crônica crise da Cultura com a Fazenda.

Carioca de berço vilaboense, Aguinaldo carrega em sua assinatura algumas das mais tradicionais famílias goianas.

Mas a formação no Rio de janeiro deu ao artista plástico e professor universitário a faceta cosmopolita de que toda tradição carece.

Gestorexperimentado, Aguinaldo Coelho dirigiu por cerca de dez anos a área de patrimônio histórico e artístico da antiga Agepel (Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira). Atualmente é vice-presidente do Conselho Estadual de Cultura.

Ligado ao grupo do historiador Nasr Chaul – seu chefe nos tempos de Agepel –, Aguinaldo Coelho transita bem entre artistas, políticos (muitos deles amigos de sua família e alguns até seus parentes), e técnicos da burocracia do governo.

Seus amigos vão da Cidade de Goiás à TV Globo, e seu perfil aglutinador bem pode conquistar para a Cultura os áridos corações do secretário José Taveira (Fazenda) e de seus assessores tecnocratas.

Com todos os problemas, o governador Marconi não pode ser acusado de entregar a pasta da Cultura ao prosaico loteamento de cargos, como tanto já se fez e ainda se faz por aí.

Aguinaldo Coelho é um artista gestor, como exigem os novos tempos; Gilvane Felipe é um intelectual surgido na boa safra da esquerda goiana dos anos 80, que migrou com talento e habilidade para os escaninhos do poder; e nasr Chaul empreendeu o Fica, o Canto da Primavera e o Centro Cultural Oscar Niemeyer, do qual é o administrador.

Quadros para gerir a Cultura em Goiás, os marconistas já provaram ter. Quanto aos recursos, o secretário Aguinaldo precisará de muita verve para arrancá-los da Fazenda.

Marconi só precisa ter cuidado para não implodir seus quadros do segmento cultural, que tanto diz prezar.

 Ubaldo e Ariano

Em menos de uma semana, a literatura e a Academia Brasileira de Letras perderam os dois mais populares de seus autores.

João Ubaldo Ribeiro e Ariano Suassuna, ambos nordestinos, produziram obras-primas, conquistaram os corações de milhões de brasileiros, e fizeram de sua literatura uma digna profissão. No Brasil de Sarney, não é pouca coisa.