Sobre cidades… E saudade
10 fevereiro 2015 às 14h58
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(“That was Laura, but she’s only a dream”)
Saio de Goiânia, mas Goiânia não sai de mim.
Se perto, toda cidade é melhor que a minha. Se longe, nenhuma cidade é páreo pra minha.
(Pode-se substituir “cidade” por “mulher” e se chegará à mesma — e melancólica — conclusão.)
São Paulo, por um megaexemplo, é o maior barato. Mas na minha Goiânia a comida é barata, e a água, abundante.
(Como o amor da mulher amada, que era pouco e se acabou.)
Que os novos bandeirantes não me ouçam, não me leiam, não me interroguem. Terá sido uma profecia a bravata do Anhanguera?
Desembarco na Estação Tietê. Por certo havia um rio por lá. O Tietê?
Agora há só uma estação sem chuvas e muitos paulistanos perdidos. Aliás, para cada estação – sem chuvas, diga-se — há muitos paulistanos perdidos.
Estação da Luz, enigma que o autofalante me decifra. Pra quê tanta escada, meu Deus! Cadeirantes de todas as estações, uni-vos.
Em Goiânia não há metrô nem autofalante, mas tampouco há escadas. Nem calçadas., Ai de mim que sou andante! E romântico.
Agora é Estação Ana Rosa, sussurra o pregão. E eu me lembro da mulher amada: “que é da Rosa nos cabelos?”
Não é hora. Mulher amada em Goiânia não há mais: já era. Por Deus, sem mais nem menos?
“Estação Paraíso”, avisa a anódina voz. Terei perdido o meu para sempre? “Senhora, por que me abandonaste?”
Vila mariana. Viva Mariana! Eis uma rima fácil para uma vaga esperança.
“…saída à esquerda do vagão”. Será a Praça da árvore? Ainda bem que não ando só: dois vagabundos, o Nei e eu, vagões adentro, vagões afora. Vagamundo!
Na Praça da Árvore chove uma chuvinha imaginária a que costumam chamar garoa. Não dá pro gasto, mas já é um alento.
No bar do Pincel, os amigos do Nei me desenham um coração corintiano. É falso, mas não deixa de ser um coração-reserva, já que o titular anda meio mal das pernas.
Falar em pernas, com um par daquelas eu ia até pra Irlanda. Mas a proverbial sisudez das beldades paulistanas – será solidão? — me faz querer voltar mesmo é pra minha Ítaca sem Penélope.
Ah, as mulheres de Goiânia! Ah, uma mulher em Goiânia. Sigo sendo um gavião fiel.
Enquanto leio a “Ode Marítima”, descemos a Santos: lá sou amigo do Nei.
Praia, sol e cerveja. E os novos amigos de infância me protegem do excesso de praia, de sol, de cerveja. E de cidades, e de saudade…
São Paulo, cidade dos excessos. Até a falta d’água é um excesso. E o recesso da chuva, e a chuva, quando vem.
“Em Goiás não havia navios e tivemos de inventar tudo, até as palavras”, me explica o poeta exilado. Ele agora reinventa ideias de esquerda para um Partido vivo – e canhoto, graças a Deus.
O poeta Adalberto Monteiro me abre a casa, me dá do melhor vinho, arranca-me a verdade e me acalenta o combalido coração – o titular – com versos assim:
“Renascer
(por Adalberto Monteiro)
O encanto fugiu, avoou e se acabou.
Não há o que fazer, nem mesmo ouvir um tango.
No amor o desencanto
Equivale à morte. Ele expele,
Afasta, finda, sepulta, crema.
Com a mesma força que o encanto
Atrai, aproxima, entrelaça.
Por ora não há nada a fazer
Senão ocupar-me da terrível tarefa
De retirar milhares de camadas de ti
Que se fixaram em mim.
De tanto dormires sobre o meu peito,
A máscara do teu rosto ficou moldada
Por sobre o meu coração.
Quando, novamente, o infortúnio atravessar
Uma faca enferrujada na minha carne
Não terei as tuas mãos para sacá-la
De minhas entranhas.
Quando for lua cheia
Não te terei ao lado,
Para aos berros anunciá-la a ti
Como se estivesse a anunciar a descoberta
De um astro novo.
Inúteis as lágrimas. Dispensável pôr –me de joelhos.
Se alegre, se saltitante,
À tua frente, como um potro adolescente,
Deixei de te encantar,
Não seria com a espinha dobrada
E os olhos nevados de sal
Que eu faria o teu coração
Novamente bombear
Carinho por mim.
Nada a fazer.
Exceto aprender, com a aurora
A renascer”.
E eu, paulistano só por um instante, me perco a cada estação, a ver navios que não há – posto que jamais os tenha visto. Só os invento, porque sou goiano. Renascerei?