Quem matou José Arcadio?

27 junho 2014 às 17h56
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O primogênito dos Buendía, a família que atravessou em Macondo os “Cem anos de solidão” magistralmente engendrados pelo escritor colombiano Gabriel García Márquez, foi morto em misteriosas circunstâncias.
José Arcadio, diferentemente de seu irmão Aureliano, e principalmente de seu pai, era um gigante sem imaginação.
Ainda adolescente, fugiu de casa com os ciganos, deixando para trás um filho que jamais saberia seu.
Voltou um homem descomunal, tão pobre como partira, após ter cruzado os mares do mundo inteiro.
Viveu de michê e de jogos de força até se casar com Rebeca Buendía, sua irmã postiça.
O casamento o transformou num pacato lavrador de terras de ninguém, até o início da guerra em que se meteu seu irmão, o agora coronel Aureliano Buendía.
A corpulência de José Arcadio não o estimulou a ir à guerra, mas da família Buendía foi ele quem mais se beneficiou dela.
Tirando proveito da fama e valentia do coronel Aureliano, ele grilou todas as terras de Macondo. Contra quem resistiu, usou sua descomunal força bruta.
José Arcadio contava com a remunerada proteção do administrador da cidade, nomeado pelo coronel Aureliano – o último a saber das tramóias do irmão.
Esse administrador cruel e rapace – belamente chamado alcaide de Macondo – era ninguém menos que Arcadio, o filho deixado para trás por José Arcadio na fuga com os ciganos.
Mas pai e filho ignorariam até a morte seu verdadeiro parentesco.
Arcadio, o filho, foi fuzilado pelos inimigos quando a maré da guerra virou.
José Arcadio sobreviveu ao filho incógnito e à guerra, mas foi misteriosamente assassinado com um tiro no ouvido em seu quarto, em pleno fim de tarde, ao voltar de uma caçada.
Rebeca, a viúva, estava em casa durante o ocorrido, mas alegou nada ter visto nem ouvido. Segundo disse, se fechara no banheiro após a chegada do marido.
Embora pouco crível, a versão prevaleceu, à falta de outra melhor.
Além do quê, ninguém acreditou que Rebeca pudesse ter matado o homem com quem era escandalosamente feliz e por quem rompera um longo noivado e enfrentara a família.
Se o assassinato de José Arcadio tivesse sido investigado, não faltariam suspeitos.
Além de Rebeca, no rol estariam: os fundadores de Macondo, de quem ele usurpara as terras; os camponeses pobres que explorara; os muitos homens dos quais ganhara apostas de quedas de braço; e as tantas mulheres que o tiveram e o perderam para Rebeca, o cobiçaram ou foram por ele desdenhadas.
Na delicada teia familiar, o principal suspeito seria o coronel Aureliano Buendía. Orgulhoso e honrado, ele seria capaz de matar o irmão para reparar o criminoso uso de seu nome e devolver as terras griladas aos seus verdadeiros donos.
Poderiam ser levantadas outras factíveis ou descabidas suspeitas, mas agora tanto faz.
Afinal, o assasssinato de José Arcadio “foi talvez o único mistério que nunca se esclareceu em Macondo”.
Mas certamente não foi o primeiro nem o último crime sem solução.
Ultimamente, aliás, garantia de resultado em investigação de crimes, só em novela das oito.