“Naquele sarau você leu um poema lindo”, ela me disse de um modo inesperado.

Eu tive que revirar a memória pra me lembrar daquele sarau.

Com a ajuda dela, concluí que deve ter sido há uns sete anos, na casa de um amigo comum. E foi o último.

Já o poema… Ela reteve a imagem da beleza daquelas palavras, como quem retém a imagem de uma bela figura sem rosto e sem nome.

Se o ouvisse outra vez, talvez o reconhecesse, como quem reconhece por intuição a imagem de uma bela figura antes vista.

Mas eu – minha desmemória –, meu profundo desalento por não saber um só verso de cor.

Terá sido de Pessoa, de Drummond ou de Vinicius o poema em branco retido pela moça?

Naquele tempo eu também empunhava os meus próprios versos. Será que?

Milton Hatoum, o romancista de “Relato de um certo Oriente”, costuma dizer que o poema é a obra perfeita da palavra.

O romance e o conto, mesmo os grandes, têm seus altos e baixos; uma peça teatral só faz realmente sentido quando encenada; e a crônica é o gênero menor, com variações (mais pra menos que pra mais).

Já o poema – cada belo poema – contém em si a perfeição traduzida em palavra.

Vem daí sua força comovedora (“O amor dos homens”, de Vinicius), seu poder de mobilização dos sentidos (“A metafísica do corpo”, de Drummond), sua capacidade de perpétua fixação nalgum (não) momento do tempo ou desvão da memória (“tabacaria”, de Pessoa-Álvaro de Campos).

O alumbramento, pela leitura ou audição do poema-perfeito, é como a fruição de um preciso e imprevisto gol a favor, de um lancinante orgasmo, da contemplação do sublime.

É por isso que, para a moça que reteve o poema-perfeito lido por mim nalgum (não) lugar, esse poema não tem fim. E nem é preciso que ela recorde seus versos, seu nome, seu autor.

Essa é talvez a mais incomum das peculiaridades do poema: é feito para se ler num instante, mas pode durar uma vida.

É quanto soará minha voz nos ouvidos daquela moça, ainda que vagamente, a ler um incógnito poema-perfeito. Prerrogativas de mensageiro da poesia.