O Lugar da Musa
24 abril 2015 às 08h30
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Desde Homero, a musa vem bafejando o verso com o sopro de vida que lhe garante a permanência.
Quase sempre fugidia, esquiva, inacessível, ela funciona como uma espécie de mecenas espiritual da poética — e do poeta.
Afinal, o que seria da “Divina Comédia” sem Beatriz, da lírica de Camões sem sua Dinamene, do pastor Dirceu sem sua Marília bela? Isso para ficar nuns poucos cânones da tradição.
A modernidade, malgrado seu propalado antilirismo, não logrou prescindir da musa. O cinema, benjamim das artes, é pródigo em beldades que oferecem às grandes obras o tal sopro de vida que lhes garante a permanência.
Não é outro o papel de uma Brigitte Bardot, de uma Juliette Binoche ou de uma Giulietta Masina — “puta de uma outra esquina” –, senão o de perenizar, por meio da beleza, os grandes filmes nos quais atuam.
A beleza, aliás, é o grande artifício de perenização da arte. Além de abordar os chamados temas e dilemas universais, a obra artística, para garantir-se eterna, precisa ser bela — ainda que terrivelmente bela.
E o instrumento mais eficaz da beleza — embora não seja o único — é a musa. Por sua força gravitacional, seu magnetismo, a musa tem, na origem, o poder de mobilizar o artista a realizar sua obra.
Obra realizada, cabe à musa, como instrumento do belo, atrair os passantes ao misterioso pântano da arte. E é o moto contínuo dessa força de atração que garante a perenidade de um poema, de um romance, de um filme ou de uma tela.
Nascida do alumbramento, da miragem, do “sonho num transe”, a musa se converte, tanto para o artista quanto para quem frui a obra que a retrata, num amálgama de falta, de desejo, de esperança.
E é a falta que move, é o desejo que atrai, é a esperança que eterniza. É a musa, enfim, a força motriz da arte. Pelo menos da arte na qual acredito: eis minha meia verdade.