Menino alvinho, cabelo escorrido. Mãe dizia que: “é porque o pai era branco feito leite.”

Sangue dela era forte, tinha até mistura de índio. Mas raleou no Menino.

“Pai macho! Deixa a mãe ver se meu branquinho saiu macho também.” E fazia menção de bulinar nas partes dele. Depois era aquela risada curtida no fumo.

Primos, muitos, não gostavam do Menino. “Branquinho invocado!”

Primas gostavam. Generosas, compreendiam tudo: que o pai era branco, sangue grosso, coitadinho não tinha culpa.

A Wanda, que já era mãe, iniciava o Menino na sua carne rija de mulata: “Quero um filho branquinho assim. Mas deixa mais pra frente. Agora só pode é na brincadeirinha.”

“Menino!” Era seu Simão, da venda, chamando. “Esse Vicente, primo do teu pai, quis te conhecer.”

Vicente mulatão, forte já quase fraco: “Sou teu tio, assim de consideração.”

Menino: “E de consideração é primo do meu pai?”

Vicente: “Primo de sangue.”

Menino: “E ele, como era?”

Vicente: “Mais preto, mais forte e muito mais bom do que eu. Que eu, pra pegar menino na zona e dizer que é meu, isso não faço. Nem que fosse filho da rapariga mais bonita do mundo, como era o caso.”

Seu Simão ensaiou despedida: “Seu Vicente, dê lembrança aos meus”.

Vicente abraçou o menino como se abraçasse o primo de sangue e saiu.

Menino: “Seu Simão, minha mãe era bonita?”

O comerciante mirou o horizonte e pensou que a verdade e a beleza não servem pra nada, a não ser pra virar palavra: “Rapariga mais bela do que qualquer rainha, meu rapaz.”

Mãe preta do Menino não gostava de Seu Simão: “Passa longe. Velho danado pra inventar conversa.”

Mas Menino precisava contar, saber: “Mãe, conheci, lá no seu Simão, um Vicente primo do pai.”

E a mãe: “Menino nojento cão do diabo! Eu não falei pra não dar conversa pr’aquele velho ladrão?”

E pegou o chicote de bater em cavalo, que era pro Menino aprender.

Lapada: “Não tem primo de pai nenhum.”

Menino: “Tem, mãe, e é preto.”

Lapada: “Se é preto não é primo.”

Menino: “É primo, mãe, e o pai era mais preto.”

Lapada: “Se era preto não era teu pai.”

Menino: “Era, mãe, e a mãe era branca.”

Lapada: “Quer ser filho da preta ou da puta?”

Menino: “Das duas, mãe.”