Quase ninguém mais sabe onde estão  – ou melhor, onde ficam – a esquerda e a direita.

Não falo da esquerda de Fidel Castro nem da direita de Benjamin Netanyahu, para citar ortodoxos exemplos.

Esquerda e direita aqui têm a ver com os lados opostos das coisas – e principalmente das pessoas.

Antes de aprender a ler eu já sabia onde ficavam a minha direita e a minha esquerda, de trás pra frente e de frente pra trás.

Aliás, tive que tratar de aprender, porque foi esse o primeiro comando de autoridade que ouvi do meu pai na infância: “mais pra esquerda; mais pra direita”.

E nenhum outro poderia ter sido mais eficaz para uma criança cega que já queria andar pelo mundo – ainda sem bengala.

Com o domínio da noção de lateralidade, eu podia divisar melhor no imaginário os grandes espaços: o rio, a mata, a cidade.

E podia também transpôr pequenos obstáculos (ou me desviar deles) a partir de um simples comando: “buraco à direita; lama à esquerda”.

Desde que válido, o comando tem me valido ainda hoje.

Minha bengala é minha guia, mas ante um orelhão, um carro na calçada ou um buraco imprevisto, o velho comando “esquerda” ou “direita” pode ser minha salvaguarda.

O problema é quando o comando vem torto ou, pior, às avessas.

Torto, ele vem geralmente em forma de bolero, tipo canção desesperada: “mais pra lá; mais pra cá; não, eu falei pra lá”.

E nisso vou eu, errando o ritmo e arrancando os cabelos.

Mas há erros com mais método. Descobri nas minhas andanças que, quando o potencial ajudante está de frente pra mim, costuma inverter a lateralidade.

Assim fica fácil: se ele diz “esquerda”, quer dizer a sua, e não a minha, então pendo à direita; se ele ordena “direita”, emprego o mesmo raciocínio e faço o contrário.

O problema é que, em meio a tanta confusão lateral, há quem não troque o direito pelo avesso.

Nesse caso, eu é que fico sendo o torto da vez. Só não sei se entorto pra esquerda ou pra direita.

Às vezes me pergunto se a confusão ideológica entre esquerda e direita não será fruto da crise de lateralidade que assola a humanidade. Sei lá.

Melhor limitar minha angústia à delicada questão dos lados opostos das coisas – e principalmente das pessoas.