O conflito entre Israel e Palestina voltou a ocupar o centro das atenções internacionais após os ataques de 7 de outubro de 2023 e a resposta militar israelense. Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção, o professor Giovanni Hideki Chinaglia Okado, especialista em Direito Internacional e docente de Relações Internacionais da PUC Goiás, traçou, nesta sexta-feira, 17, uma análise profunda sobre os fatores históricos, políticos e estratégicos que sustentam o impasse no Oriente Médio.

Para Giovanni, a raiz do conflito não é religiosa, mas territorial. Ele destacou que a disputa por terra remonta ao final do século XIX, com o surgimento do sionismo e as ondas de imigração judaica para a Palestina. “Os judeus voltam a ocupar o território palestino principalmente quando surge o sionismo no final do século XIX, com Theodor Herzl, que volta a defender a ideia de um local para os judeus. Esse local era equivalente ao território palestino”, explicou.

Professor Giovanni Hideki Chinaglia Okado, especialista em Direito Internacional | Foto: Divulgação

O professor relembrou que essas migrações se intensificaram após a Declaração Balfour, em 1917, quando o Reino Unido reconheceu a possibilidade de um lar nacional para os judeus na Palestina. “Começa uma bagunça gigantesca na década de 20, década de 30, em que a Inglaterra tinha que se equilibrar entre o retorno dos judeus que estavam emigrados para a Europa e a própria população local que estava resistindo cada vez mais a esse retorno”, afirmou.

Segundo ele, o elemento religioso é frequentemente usado como intensificador do conflito, mas não representa sua causa principal. “Não é religião, na minha opinião, é um conflito territorial, como tem sido boa parte dos conflitos ao longo da história. O elemento bíblico, o argumento religioso, existe hoje principalmente por conta das políticas do Netanyahu, políticas de extrema-direita”, destacou.

Papel das Potências e a Solução de Dois Estados

Giovanni apontou que a não implementação da solução de dois Estados após a Segunda Guerra Mundial foi um erro histórico que contribuiu para a perpetuação do conflito. “O problema é que foi construído o Estado de Israel, reconhecido inclusive internacionalmente, e nunca foi reconhecido o Estado palestino. Uma das possibilidades de paz era já ter adotado desde o início essa solução de dois Estados”, disse.

Ele relembrou que diversas propostas de partilha territorial foram rejeitadas por ambos os lados, como a Comissão Peel de 1937 e as resoluções da ONU em 1947 e 1967. “Parte das guerras árabes-israelenses que ocorrem ao longo do século XX são relacionadas com esse processo inconcluso de construir esses dois Estados”, afirmou.

O professor também contextualizou o histórico de controle estrangeiro sobre a região, desde o Império Otomano até o mandato britânico e francês. “Depois da Primeira Guerra Mundial, a França e a Inglaterra tomam aquela região. A Inglaterra ficou com o que corresponderia ao Iraque e à Jordânia, e a França com o que basicamente corresponderia à Síria e ao Líbano. A Palestina acabou ficando sob o Mandato Britânico até a resolução de 1947”, explicou.

Na resolução da ONU (Resolução 181). O Reino Unido anunciou sua retirada e a ONU assumiu o processo de partilha.

O Papel do Hamas nos Acordos de Paz

Ao analisar o histórico do processo de paz, o especialista ressaltou o papel do Hamas em barrar o avanço das negociações na década de 90. O Hamas foi “um dos principais responsáveis por tentar submeter [implodir] o processo de paz” dos Acordos de Oslo, pois era “inconcebível na visão do Hamas reconhecer o Estado de Israel” e viam a Autoridade Nacional Palestina (ANP) como um grupo “completamente estrangeiro”.

A Resposta de Israel e Motivações de Netanyahu

Sobre a reação israelense aos ataques do Hamas, Giovanni reconheceu que o governo de Benjamin Netanyahu agiu com força, mas critica a intensidade da resposta. “O que o Netanyahu tem feito certamente viola o Estatuto de Roma e se enquadra em crimes contra a humanidade e crimes de guerra. É uma reação absolutamente extremada”, apontou.

Ele afirmou que a destruição do Hamas é o principal objetivo estratégico de Netanyahu, com implicações regionais. “A destruição do Hamas é um objetivo número um do Netanyahu. Na visão dele, isso pode provocar um equilíbrio de poder mais favorável para Israel no Oriente Médio”, disse.

Além disso, o professor destacou que há motivações políticas internas por trás da ofensiva. “O Netanyahu tem vivido frequentemente crises e contestação em relação ao próprio mandato. Normalmente a guerra é uma forma de aumentar a popularidade, principalmente quando se tem êxito”, afirmou.

Estados Unidos

Giovanni criticou o papel dos Estados Unidos, especialmente sob a administração Trump, por oferecer apoio irrestrito a Israel. “Enquanto Trump permanecer no poder, o Netanyahu vai ter carta branca para fazer basicamente o que ele quiser no Oriente Médio”, disse. O apoio atual é facilitado por figuras como o Secretário de Defesa e o Vice-Presidente, que são “totalmente trumpistas”, reforçando a aliança ideológica.

Mesmo diante de pressões internacionais, como o reconhecimento do Estado Palestino por países europeus, os EUA mantêm sua postura histórica. “Os Estados Unidos nunca se movimentaram no sentido de, de fato, ir em relação à proposta de dois Estados. É um traço de continuidade claro”, afirmou.

O professor também observou que a atual administração norte-americana é marcada por decisões personalistas e sem freios internos. “Hoje, o status político do Trump é completamente favorável a qualquer tipo de decisão que ele venha a tomar. É um governo cada vez mais unilateral, cada vez mais personalista e são decisões da própria cabeça dele. Não tem freios do ponto de vista doméstico”, destacou, diferenciando-a do primeiro mandato de Trump.

Alianças Regionais e o Golfo Pérsico

Giovanni analisou o papel das alianças no Oriente Médio e afirma que o Irã tem perdido influência na região. “O Irã arma boa parte de grupos que são simpatizantes ao próprio Irã, como Hamas, Hezbollah e milícias xiitas. Mas o Hamas tem perdido fortemente a influência, a logística, a capacidade militar e operacional”, disse.

Ele considerou improvável que potências como Rússia ou China intervenham em favor do Irã neste momento. “A Rússia tem suas preocupações específicas e a China também não deve fazer qualquer tipo de ação mais assertiva no Oriente Médio”, afirmou.

Sobre os países do Golfo Pérsico, Giovanni apontou que há uma tentativa de aproximação com Israel. “Existe uma tentativa do Trump de buscar maior apoio desses países e costurar acordos como o de 2020, quando Emirados Árabes Unidos e Bahrein reconheceram o estado de Israel”, disse.

Ele acredita que o reconhecimento por parte de outras monarquias árabes seria significativo para o equilíbrio regional, mas vê obstáculos importantes. “É muito difícil, por exemplo, a Arábia Saudita reconhecer, porque é um dos países onde estão os principais locais sagrados do islamismo. Renunciar a isso comprometeria a defesa do islamismo que a Arábia Saudita proporciona”, afirmou.

Cenários Futuros

Questionado sobre os cenários mais prováveis para os próximos meses, Giovanni apontou para uma combinação de ofensivas prolongadas e reconfiguração política regional. “Reconfiguração política e ofensivas pontuais, mas prolongadas, vamos ser sinceros. O Hamas está enfraquecido, mas vai buscar algumas respostas. Acredito que teremos ainda um conflito prolongado no Oriente Médio”, disse.

Ele acredita que Israel pode sair fortalecida da atual conjuntura. “Israel, ao que tudo indica, pode sair até mais fortalecida do que está acontecendo na conjuntura atual, pelo menos no curto e médio prazo”, afirmou.

Legitimidade das Ações e Denúncia de Genocídio

Ao avaliar a legitimidade das ações de Israel, Giovanni reconheceu que o país tem o direito de se defender, mas alerta para os excessos e para o impacto humanitário, contextualizando as agressões mútuas. “Israel teoricamente tem o direito de revidar aquilo que aconteceu. Mas se você volta numa circunstância mais histórica, até que ponto o Hamas não tem o direito também de revidar as ofensivas israelenses [e a] ocupação israelense em território palestino?”, questionou.

Ele afirmou que é difícil atribuir culpados em um conflito com raízes tão profundas. “Um conflito armado e principalmente um conflito que tem raízes históricas, geopolíticas tão profundas, fica bastante difícil a gente atribuir culpados”, disse.

No entanto, ele é enfático ao denunciar o que considera um genocídio em curso. “Israel tem perpetrado um genocídio na Palestina. E quando falo genocídio, não é só eliminar o Hamas. O que Israel tem feito em relação à contenção da ajuda humanitária que vai para Gaza, o número de subnutridos, todos os números mostram claramente que está tendo uma dizimação da população”, afirmou.

Segundo Giovanni, esse processo é histórico e ultrapassa os limites da legítima defesa. “Isso não é algo que é de hoje, isso tem sido histórico, desde quando começou propriamente o período de 1947. O genocídio [como se refere ao atual cenário] extrapola todo e qualquer limite do que Israel poderia fazer em relação à Faixa de Gaza ou à Palestina como um todo”, destacou.

A afirmação de que há genocídio, no entanto, é interpretativa e controversa. A acusação não é reconhecida oficialmente por organismos internacionais no contexto Israel-Palestina, embora seja usada por críticos da política israelense.

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