João Carlos Taveira

Com poucas exceções, em muitos países do mundo os homens públicos, mesmo após seus mandatos, continuaram e continuam sendo lembrados e admirados por seus feitos na política. Muitos deles tendo suas obras simbolizadas e imortalizadas em monumentos e edificações estatais. Sejam quais forem os regimes e modalidades governamentais a que se filiaram. No Brasil, ao contrário disso, o que se vê é uma esculhambação nas descrições da vida e obra de nossos governantes, seja no âmbito municipal, estadual ou federal. Mas quando se trata de presidentes da república, então, o cenário é mais grave. Só se procura criticá-los e, na maioria das vezes, desqualificá-los perante a opinião pública e, também, perante a História.

Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto: presidentes do Brasil, no século 19 | Fotos: Reproduções

Será mesmo que esses homens só fizeram bobagens? Será que nenhum presidente do Brasil praticou algo que possa representá-lo positivamente? Que tenha realizado algum projeto em benefício da vida prática das pessoas? Ou que tenha pelo menos tentado fazer isso? E, principalmente, que mereça a lembrança e o respeito de gerações futuras?

Desde Dom João VI, para se ter uma referência de temporalidade, a dita oposição partidária teve e tem sempre argumentos depreciativos contra a coroa, e que se seguiu com Dom Pedro I e Dom Pedro II, e também com a Princesa Isabel. Em 1889, com o advento da República, os detratores continuaram falando mal e tentando denegrir a figura dos dirigentes máximos da Nação, a exemplo do marechal Deodoro da Fonseca e de seu sucessor Floriano Peixoto, que protagonizaram a época conhecida como República Velha.

Terminada a Primeira República, podemos ver nos livros e manuais de história que praticamente não sobrou nada de positivo daquele período. Pulando a segunda fase republicana, chega-se à Era Vargas, em 1930, ou seja, início da terceira fase que vai até 1945. Embora tenha feito grandes obras no campo das relações empregatícias entre as elites empresariais e os trabalhadores, ainda é considerada por muitos como nefasta e autoritária. Por outro lado, os feitos e modernizações levados a cabo no País naquela época têm sido esquecidos, quando não renegados. Getúlio Vargas só é lembrado como ditador e fascista. Todas as suas conquistas econômicas, políticas e sociais têm sido soterradas na poeira do tempo. Juscelino Kubitschek, por sua vez, dificilmente será perdoado por ter construído a nova Capital da República longe do litoral e em pleno Planalto Central, incentivando a industrialização e a conquista do Centro-Oeste, abrindo estradas, diminuindo distâncias e criando novas condições econômicas e sociais para o povo brasileiro.

Getúlio Vargas e Tancredo Neves: o presidente e o ministro da Justiça | Foto: Reprodução

Excetuando-se o período de 1964 a 1985, sob a tutela de cinco presidentes militares, pode-se falar tranquilamente da redemocratização que os historiadores não cansam de sublinhar, com o peito estufado, para enfatizar que a democracia foi finalmente reconquistada. O primeiro presidente civil pós-governo militar, Tancredo Neves, eleito por um colégio eleitoral, não chegou a tomar posse no cargo, tendo morrido antes e sido substituído pelo nome que as convenções partidárias lhe deram como vice: José Sarney, um dos artífices do golpe civil-militar desferido por empresários e generais do Exército, para a derrubada de João Goulart.

Fernando Collor de Mello merece um capítulo à parte, pois seu programa de governo trouxe alguns avanços ao País em diversos setores da economia e da política externa. Mas acabou caindo nas malhas da corrupção que dizia combater, perseguindo e caçando “marajás”. Política e economicamente falando, seu governo ficou para a posteridade como um desastre. Entretanto, seu vice, Itamar Franco, acabou se transformando, após o “impeachment”, em ponte de cimento armado para o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que chegou à presidência por meio de um paraquedas oferecido por Mário Covas e impediu que certo metalúrgico ganhasse as eleições naquele ano. Por um momento apenas, pois iria enfiar também os pés pelas mãos em dois momentos distintos: privatização inconsequente de empresas estatais e “compra” de votos de deputados para emendar a Constituição Brasileira e se reeleger. Terminou o mandato melancolicamente, ouvindo o povo enfurecido gritar: “Fora, FHC!” “Fora, FHC!” “Fora, FHC!”

Fernando Collor: ex-presidente da República | Foto: Reprodução

Já no início do século 21, depois de três tentativas frustradas, o torneiro mecânico Luís Inácio da Silva é finalmente eleito presidente da república, sonho que organizações sindicais e grande parte das esquerdas acalentavam desde a implantação do Estado Novo (1937-1945). O resto da história do primeiro presidente de esquerda eleito, em mais de cem anos de república, praticamente todo o mundo conhece de cor e salteado. Apesar de se proclamar de esquerda, Lula acabou mesmo foi imitando Sarney, Collor e FHC, nas falcatruas políticas e principalmente na mentalidade escravocrata herdada das elites brasileiras.

Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso | Foto: Reprodução

Depois tivemos Dilma Rousseff, a primeira mulher a ser eleita presidente da república no Brasil, que também não deixou por menos: mentiu, prevaricou e principalmente deu continuidade ao processo de corrupção dentro e fora da máquina estatal, lição aprendida com seu antecessor e padrinho, cujos mandatos foram dedicados, entre outros desserviços, à doutrinação ideológica dentro das principais instituições nacionais. Após o “impeachment” da desastrada senhora, nem é bom falar de seu vice, Michel Temer, que é capítulo encerrado. A memória do povo brasileiro certamente já o enviou para o devido esquecimento.

Michel Temer, Dilma Rousseff e Lula da Silva: três ex-presidentes | Foto: Reprodução

Hoje, tem-se no comando da Nação Jair Messias Bolsonaro, eleito pela maioria de votos, no segundo turno de uma eleição direta. Desde o primeiro dia de seu governo, esse homem vem sofrendo perseguição acirrada, quase doentia, por parte dos partidos de esquerda e também de parte da imprensa escrita e falada, que perdeu as tetas em que mamava com sofreguidão. Isso sem contar com a perseguição rasteira de um grupo de artistas, produtores e escritores que, de repente, perderam os privilégios e os fraudulentos benefícios financeiros da Lei Rouanet. Mas a perseguição maior, tanto política quanto ideológica, começou justamente por ele ter composto seu ministério sem arranjos e conchavos partidários e de ter dado um basta nas vicissitudes de gabinetes, o velho e conhecido “toma lá, dá cá”. E nada incomoda mais do que a perda daquilo que se ganha sem esforço, sem trabalho.

Jair Bolsonaro e o general Braga Netto | Foto: Mateus Bonomi/Agif/Estadão Conteúdo

O Brasil, a partir das capitanias hereditárias, criadas entre 1534 e 1536, padece de crises políticas, econômicas e sociais, independentemente do processo ideológico a que se adeque. A riqueza sempre se concentrou nas mãos de poucos, de muito poucos. No campo da saúde e da educação, até parece piada de mau gosto. Em 521 anos de história, nunca ninguém fez nada de concreto para elevar essas duas áreas a um patamar de dignidade, a exemplo dos nossos vizinhos Argentina, Uruguai e Chile.

Sabe-se à exaustão que, se há inflação, a população é castigada, porque passa por grandes necessidades materiais, sem poder de compra de produtos básicos, como alimentos, remédios e vestuários. Mas, se não houver inflação, os bancos e outras instituições financeiras reclamam da perda de ganhos fáceis e vultosos. Assim, nenhum governo presta. E não há ministro da fazenda ou da economia que dê jeito. Nesse paradoxo, tem sobrevivido a nossa malfadada república, que, em mais de um século, vem pronunciando, pelos cotovelos, a palavra democracia, e proferindo, a torto e a direito, a expressão “luta pela democracia”, mas na verdade pouca gente sabe o real significado dessa palavra. “Veritas temporis filia!” (Aulo Gélio)

João Carlos Taveira, poeta, ensaísta e crítico, pertence à Academia Brasiliense de Letras, à Associação Nacional de Escritores e ao Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, e possui alguns livros publicados. É colaborador do Jornal Opção.