Olavo sim, Elza não: que bom que as escolhas de Bolsonaro sejam tão claras

25 janeiro 2022 às 18h42

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O luto oficial para o guru do negacionismo, negado para a cantora negra que marcou época, só confirma que o Brasil, para ele, é apenas seu gueto

O desgoverno de Jair Bolsonaro não se cansa de nos mostrar que, na verdade, é um golpe. Não um golpe militar – embora use as Forças Armadas como suporte de seu intento –, mas um golpe miliciano.
Para as milícias, ou você está do lado dela ou contra ela. Não há nada que se possa fazer ou apelar fora desse sistema obrigatoriamente binário. Preto ou branco. Comunista ou “conservador”.
A morte de Olavo de Carvalho poucos dias após o País perder um ícone como Elza Soares diz muito sobre isso que é este desgoverno – não dá para chamar de outra coisa algo que só trouxe destruição e mortes como projetos.
Bolsonaro está onde está para si e para os seus. O Brasil que ele reconhece é o “cercadão”, a extensão de seu cercadinho, e nada mais. Suas políticas públicas são contra todos os alvos nos quais este cercadão também atira. E heróis da Nação passaram a ser, para eles, os que defendem com a própria vida – ou morte, no caso dos antivacinas – os mesmos pensamentos tacanhos que os seus.
Nesse sentido, Olavo de Carvalho, morto enquanto estava com covid, será insuperável. Suas indicações para o desgoverno foram inesquecíveis para ambos os lados, o de dentro e o de fora do cercadão: os olavistas Ricardo Salles (Meio Ambiente), Abraham Weintraub (Educação) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores) deixaram marcas profundas que tão cedo não apagaremos. Três imperdoáveis antiministros.
Salles foi o negacionismo pleno da devastação ambiental. Leva nas costas consigo para sempre as chamas do fogo nas matas, os bichos carbonizados no Pantanal, a madeira tombada, o mercúrio nas águas amazônicas. No cargo (ou descargo?), era de um cinismo ímpar e uma fleugma para mentir que impressionava.
Weintraub foi o grande mestre da ignorância. Ninguém nunca mais irá confundir Kafka com kafta tão bem, nem fará “blincadeilas” com os chineses – aliás, nessa, errou até ao tentar imitar o Cebolinha. Quem agora denunciará os campos de maconha nas universidades federais? E quem dará voz de prisão aos ministros do STF tão avidamente?
Ernesto Araújo foi o pedantismo em forma de chanceler. Abriu seus trabalhos misturando línguas diversas para mostrar que as dominava, mandando até palavras em tupi – incluindo aí o “anauê” dos fascistas integralistas. Orgulhou-se de que, finalmente, o Brasil havia se tornado um pária mundial.
Os intelectuais que Olavo nos deixa? Rodrigo Constantino, Adrilles Jorge, Caio Coppolla e aquela menina do perfil Te Atualizei, no Twitter.
Jair Bolsonaro, comovido com o legado deixado por quem lhe deu tamanha inspiração para desgovernar, decretou luto oficial da Nação por um dia – até porque ficar triste por mais do que isso é mimimi, frescura, coisa de moleque e não de homem.
Elza Soares não teve uma lembrança sequer do Planalto. Luto oficial, nem pensar, mas nem ao menos um tuíte nas redes do presidente? Aldir Blanc, Nelson Freire, Beth Carvalho, Tarcísio Meira, João Gilberto, também não. Nem João Gilberto!
E quer saber? Que bom! Foi ótimo para quem gosta de arte e de música essas não-menções, esses não-pêsames, essa não-solidariedade.
É que essa arte e essa música não penetram nos olhos e nos ouvidos do cercadão. E é bom que ao cercadão os demais não se misturem, por iniciativa deles. É bom que as referências continuem sendo as que são.
Pensando um pouco aquém, sorte do Brasil que o tal Brilhante Ustra já tinha passado desta para melhor antes de 2019 começar, hein? E que Deus tenha misericórdia deste País até o próximo janeiro chegar.
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