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Gestor público tem o dever de salvar vidas em momento tão excepcional como o a pandemia e isso não é excludente com uma gestão transparente, erigidas pela boa-fé

Luciano Hanna

Especial para o Jornal Opção

A probidade administrativa é um dos mais importantes institutos do Direito no que tange à administração pública. Ela é uma das formas prementes de garantia da execução dos objetivos fundamentais previstos em nossa Constituição Federal de 1988, por parte da administração e do agente público. Em momento de grave crise social e da saúde pública em decorrência da pandemia, os limiares da probidade, bem como da legalidade, tornam-se um tanto mais difusos em razão da necessária urgência em que os governos federal, estaduais e municipais devem agir. Uma disjuntiva se inaugura: salvar vidas fazendo dispensas de licitações nas urgências ou seguir os trâmites legais dos contratos públicos para evitar uma Ação Civil Pública? A resposta não é simples.

A nossa Carta Magna de 1988 não chega a conceituar taxativamente o ato de improbidade administrativa, mas o relaciona explicitamente como atuação administrativa contra o princípio da moralidade. Ora, um ato que infringe o princípio da moralidade é uma ação mais além da transgressão da legalidade – entendido como desrespeito à letra da lei, convocando para o instituto os princípios da boa fé e da moralidade. De modo que a probidade administrativa convoca outros elementos no sentido de fazer cumprir os objetivos fundamentais da Constituição, entre eles “promover o bem de todos” e “cuidar da saúde e assistência pública”, como deveres inerentes tanto à União, quanto aos estados, municípios e distrito federal.

│Foto: Reprodução

O imbróglio é que para limitar a margem discricionária do agente público, tentando minar as possibilidades de governo em causa própria, por assim dizer, que se atentam contra o bem público e o direito de todos, o sistema jurídico administrativo exige diversos procedimentos nos quais o administrador público está vinculado para além da sua vontade. Um deles é a obrigatoriedade da licitação para contratos da administração com particulares. De modo que, dispensar licitação, via de regra, é pretensamente uma ilegalidade administrativa que pode ensejar uma Ação Civil Pública por parte do Ministério Público. Sabemos todos, no entanto, que a licitação envolve diversas etapas, prazos longos, que tornam a contratação de bens e serviços morosos.

No caso de uma pandemia, com grave exposição social à contaminação, com médias diárias de mortes assustadoras e com risco permanente de colapso do sistema de saúde, o administrador público deve cuidar da saúde e promover o bem de todos na maior agilidade possível, comprando insumos e contratando serviços tanto quanto forem necessários em defesa da população.

A disjuntiva entre legalidade e atendimento de demanda urgente pode não ser lá uma saia justa para o administrador público. Temos vistos diversas denúncias oferecidas pelos Ministérios Públicos estaduais de contratos fraudulentos, superfaturados em pleno caos da saúde pública, que ferem duplamente a legalidade e probidade administrativa.

Uma saída de ilibada boa fé e atinente ao princípio da moralidade seria, por exemplo, a criação de um conselho emergencial de saúde, composto por várias entidades representativas e inclusive o próprio Ministério Público, para atender as demandas urgentes, contando sempre com um parecer jurídico fundamentado para as dispensas de licitações. Tudo vinculado às secretarias municipais, estaduais de saúde dos estados e municípios e a supervisão dos poderes executivos.

O gestor público tem o dever de salvar vidas em momento tão excepcional como o caso da pandemia e isso não é excludente com uma gestão transparente, erigidas pela boa-fé. O que, no entanto, temos visto ou é uma extrema morosidade do poder público que não responde com a urgência necessária para salvar vidas, ou contratos fraudulentos e eivados de ilicitude que não respondem às reais necessidades da saúde pública. Outra administração pública é possível, salvando vidas e pautada pela probidade.

Luciano Hanna é advogado e ex-juiz membro do TRE-GO.