Leitor, a sensação que tenho é que estou numa relação tóxica com o tempo. Em alguns momentos o sinto devagar, mas na maior parte das vezes os dias se misturam. Mas ora, o tempo não é sempre o mesmo? Para o filósofo Edmund Husserl, o tempo é uma questão de percepção, de consciência mesmo. Ele é definido pela forma como percebemos as coisas. Sabe quando o tempo parece passar mais rápido quando estamos nos divertindo? É isso. O tempo é uma abstração como qualquer outra, só que não dá para fugir dele. Você olha no calendário e percebe que daqui a pouco mais de dois meses estaremos em 2023. (Não custa lembrar Machado de Assis: “Matamos o tempo, o tempo nos enterra”).

Uma relação tóxica normalmente acontece entre seres que não se ajudam, que possuem muitos conflitos entre si, e que acabam atormentando uns aos outros. Basicamente, é uma relação marcada por competição e por desrespeito. Por saber que o deus Cronos (equivalente ao romano Saturno) devora os filhos, decidi que preciso fazer as pazes com ele. Mas como fazer isso?

É dar um limpa nos ladrões de tempo, dizem. No meu caso, meu maior ladrão são as redes sociais e sabendo ser essa batalha ingrata decidi apenas limitar o uso. Depois, minha terapeuta disse que preciso fazer listas. Materializar as coisas para perceber que o dia não passou sem ação. E, por fim, deixar de lastimar o que passou.

A receita estava dada, restava agora segui-la na tentativa de conter a sensação de looping sem cessar. O problema é que, mesmo com o passo-a-passo dado pela minha terapeuta, seguir o proposto nunca é tão simples. Na filosofia, Nietzche tinha o conceito do eterno retorno. De forma bem rasteira, a ideia era de que tudo poderia se repetir infinitamente (e inutilmente) sem nunca acabar. Faz sentido pensar que existem possibilidades limitadas de ação e que elas vão se repetir em algum momento já que o tempo é essa coisa sem início e sem fim. Só que não deixa de ser medonho pensar na possibilidade de viver nossas vidas eternamente sem poder alterar nada.

E o que isso tem a ver com política? Quando se tem a sensação de que as mesmas coisas se repetem surge a vontade de ficar alheio, de não se envolver, porque isso no final das contas não vai mudar (ou vai mudar muito pouco). Ontem conversei com três pessoas mais velhas que eu e que me disseram: estou com preguiça dessas eleições. Tudo já foi dito, de novo as mesmas escolhas, as mesmas pessoas e as mesmas mentiras… Entendo o sentimento, só que algumas coisas podem ser diferentes. O pesadelo de Nietzche não precisa ser concretizado. Aliás, nem o próprio filósofo acredita que esse conceito seja uma verdade literal. É apenas algo para se pensar sobre. E aí voltamos ao deus Cronos: temos ainda dez dias de outubro. Tempo suficiente para sair do modo inerte e partir para novas escolhas.