Lucro sujo à sombra do tarifaço

26 julho 2025 às 21h01

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O tarifaço imposto por Donald Trump ao Brasil no dia 9 de julho parecia, à primeira vista, mais um capítulo do jogo duro e desonesto de negociações comerciais entre países. Mas, naquele dia, uma aposta contra o Real no mercado de câmbio para que pairasse uma suspeita de crime de uso de informações privilegiadas. Antes mesmo que o presidente norte-americano viesse a público anunciar a sobretaxa de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos, operações bilionárias em dólar já estavam sendo executadas. As 13h30, cerca de US$ 3 a US$ 4 bilhões de dólares, algo entorno de R$ 6,6 bilhões foram movimentados em contratos cambiais. Quando Trump fez o anúncio oficial às 16h17, a cotação disparou. Minutos depois, os mesmos agentes venderam os dólares comprados horas antes com lucro de até 50%. Não foi sorte, nem faro de mercado. Foi, ao que tudo indica, crime financeiro — e, como de costume, praticado com o requinte de quem tem amigos poderosos e informação privilegiada.
A Advocacia-Geral da União (AGU) acionou a Polícia Federal e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para investigar o caso. O Supremo Tribunal Federal (STF) já autorizou a abertura de inquérito, que se junta à apuração anterior sobre a atuação de Eduardo Bolsonaro junto a parlamentares republicanos nos EUA. O que se desenha é um esquema de tráfico de influência e de uso de informação privilegiada que fez alguém ou algumas pessoas a lucrarem muito com o tarifaço de Trump.
Trump justificou o tarifaço com o velho discurso da “injustiça comercial”. Reclamou que os Estados Unidos estavam sendo prejudicados por tarifas brasileiras mais altas sobre alguns produtos, como o etanol. Mas o argumento não se sustenta. Os EUA fecharam 2024 com superávit comercial em relação ao Brasil, e a retaliação tarifária veio não por desequilíbrio econômico, mas como instrumento de pressão política. A reação global não tardou. A revista The Economist classificou a medida como “uma das maiores interferências dos Estados Unidos na América Latina desde a Guerra Fria”. No editorial, a publicação afirmou que o tarifaço era um ataque direto à soberania econômica brasileira e alertou para os riscos de um precedente diplomático perigoso, em que interesses eleitorais nos Estados Unidos se sobrepõem a décadas de alianças comerciais.
No próprio país, liderado por Trump, a medida provocou indignação. Um grupo de senadores democratas enviou uma carta oficial ao Comitê de Relações Exteriores do Senado acusando Trump de “claro abuso de poder”. O documento denuncia que o ex-presidente utilizou medidas tarifárias como arma de vingança pessoal contra decisões do STF e como tentativa de influenciar diretamente a política interna de um país soberano. Mais que um problema comercial, o tarifaço virou um problema institucional de grandes proporções, com ecos que já atingem a política externa norte-americana.
No Brasil, o impacto foi imediato e com muitas incertezas. Exportadores de autopeças, aeronaves, metais e produtos agrícolas se viram com contratos ameaçados do dia pra noite. Investimentos congelados, cadeias produtivas ameaçadas e ameaças de demissões em seguimentos do agronegócio. Tudo isso embalado pela constatação de que enquanto o povo brasileiro pagava mais caro por tudo, um punhado de gente — provavelmente com bons contatos em Brasília e em Washington — fez fortuna da noite pro dia.
Não bastasse o caos cambial, o escândalo expõe mais uma vez como o mercado financeiro, em vez de ser um espaço de estabilidade e previsibilidade, virou cassino para poucos. Quando a política serve de pista de corrida para especuladores com informação privilegiada, a democracia entra em xeque. O episódio se assemelha ao famoso “Joesley Day”, quando delações da JBS foram usadas para lucrar com a oscilação do dólar. Mas agora, a escala é internacional e muito mais perversa.
Trump usou o Brasil como peão no seu tabuleiro político. Disfarçou uma medida eleitoral como ajuste comercial, e a transformou numa manobra geopolítica para sabotar instituições brasileiras e agradar aliados internos — inclusive figuras como Eduardo Bolsonaro, que apareciam em reuniões com a extrema-direita dos Estados Unidos em plena crise. É um nível de cinismo que beira o terrorismo econômico.
E o que o Brasil vai fazer? Não dá pra reagir com nota de repúdio. É hora de acionar a OMC, exigir reparações, endurecer os mecanismos de controle da CVM e colocar em pauta uma CPI de verdade, com nome, sobrenome e exposição pública de quem lucrou com a instabilidade. Porque se o país permitir que uma retaliação política de um ex-presidente estrangeiro vire base para especulação bilionária com apoio interno, então já não estamos lidando apenas com crise cambial. Estamos falando de sabotagem institucional combinada com crime financeiro, com requintes de crueldade e maquiagem legal.
Enquanto isso, o cidadão comum — que não comprou dólar às 13h30, que não tem amigo na embaixada, que não janta com lobista — vê os preços subirem, os empregos sumirem e o país afundar em silêncio. A lição é velha, mas precisa ser repetida: o problema nunca é o mercado. O problema é quem acha que pode manipulá-lo com impunidade.
A partir da abertura de inquérito para investigar a movimentação financeira, a CVM vai questionar todas as instituições financeiras para ver qual a origem da movimentação. Existe uma possibilidade que a movimentação desse montante pode ter sido várias transações feitas ao mesmo tempo por robôs, o que é comum para a gestão de grandes investimentos. O grande problema foi o alto valor negociado e tampo o momento em que isso ocorreu.
O que chamou a atenção é que o mesmo movimento aconteceu também com as moedas da África do Sul, México, Canadá e também com o Euro na véspera do anúncio das tarifas. Isso deixa muito claro que tem alguém recebendo ou repassado informações privilegiadas de dentro da Casa Branca para faturar criminosamente no mercado de câmbio.
O tarifaço de Trump, portanto, não é um episódio isolado, mas parte de uma engrenagem mais ampla de autoritarismo econômico travestido de política comercial. É também um reflexo do vácuo que vive a oposição brasileira que se instaura quando figuras públicas brasileiras preferem servir de extensão ideológica de governos estrangeiros a defender os interesses nacionais. Permitir que esse tipo de chantagem vire precedente é abrir as portas para que, no futuro, qualquer país poderoso possa impor sanções como ferramenta de dominação política e manipulação de mercados.