A xenofobia e o ódio ao que não é espelho

07 outubro 2022 às 15h57
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Alguns significados que a palavra xenofobia carrega vinculam-se a medo, rejeição, antipatia e profunda aversão ao estrangeiro. Implica também desconfiança e preconceito em relação às pessoas estranhas ao país e às construções culturais daqueles que se consideram como estando em seu território. Parece absurdo que um país como o Brasil, de dimensões continentais e de formação cultural diversa, esteja agora observando discursos xenofóbicos tomarem corpo. Nesta semana, diversos nordestinos foram atacados nas redes por conta dos 12,9 milhões de votos em Lula.
Ainda que eu saiba que existe o exagero normal das redes, é inadmissível ver pessoas estimulando colegas a passar com o carro em cima umas das outras, ver outros torcendo pela seca e vários dizendo que não vão mais empregar nordestinos. A central da ONG de proteção aos Direitos Humanos Safernet Brasil recebeu cerca de 14 denúncias de xenofobia por hora só na última segunda-feira. Ao todo, foram 348 registros no dia após o primeiro turno das eleições. O número quase que supera o total de reclamações registrado nos primeiros seis meses do ano passado (358). Comparando o primeiro semestre deste ano com o de 2021, a organização já havia observado aumento de 520,6% nas denúncias de xenofobia: pulou de 358 para 2.222 este ano.
Aqui em Goiás, logo no início da semana, a Polícia Civil investigava áudios em que duas mulheres de Quirinópolis supostamente incitavam boicote aos apoiadores do candidato do PT à Presidência da República no comércio local e sugeriam doação de camisetas verdes e amarelas às pessoas carentes da cidade, já que estes “gostam de coisa dada porque são pobres de espírito”. E, no município de Cachoeira Alta, áudios de cunho racista teriam sido enviados em um grupo de moradores, com ofensas a nordestinos e nortistas, em que duas mulheres intitulam as pessoas oriundas destas regiões do País como “comedores de calango” e diziam que os estados destas regiões deveriam ser “explodidos”.
Ao comentar a tristeza desses tempos, uma amiga querida me lembrou o trecho da música de Caetano “Narciso acha feio que não é espelho” ao exemplificar como deixaram de enxergar o outro. Algumas instituições, como a Ordem dos Advogados de Goiás (OAB-GO) se manifestaram contra esses confrontos que colidem com princípios democráticos. Mas, a manifestação deveria vir de todos nós. Existem as ideias e existem as pessoas. O respeito ao humano precisa e deve anteceder qualquer opinião política, situação, crença, raça, gênero. Já que no Brasil existe uma loucura religiosa, vou usar isso para justificar o que deveria ser óbvio: devemos praticar a tolerância. Entre o “eu” e o “outro” se estabelece um limite que não pode ser transgredido: a sacralidade de cada ser humano, no fundo de cada ser, pois tudo o que existe e vive, merece existir e viver.
Com acerto, disseram os bispos do mundo inteiro, reunidos em Roma, no Concílio Vaticano II (1962-1965), em um dos mais belos documentos “Alegria e Esperança”: “Que cada um respeite o próximo como outro eu, sem excetuar nenhum”. Esse talvez seja o aspecto mais importante da existência humana e o mais importante mandamento cristão.