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As iniciativas de Donald Trump desde o início desse segundo mandato — o tarifaço, a perseguição massiva contra os imigrantes, a reconfiguração das instituições do Estado e o aumento do poder do Executivo, a propalada paz em Gaza (após concluído o massacre dos palestinos), a interlocução com Vladimir Putin para o estabelecimento da paz na Ucrânia, a agressiva retórica e as ações contra a Venezuela de Nicolás Maduro ou Gustavo Petro da Colômbia, os ataques por mísseis contra barcos supostamente de narcotraficantes no Caribe (“Não se trata de uma missão antidrogas. Isso seria como usar um caminhão de dez toneladas para matar uma formiga”, disse à “New Yorker” um “alto funcionário de segurança nacional que serviu no primeiro governo Trump”), etc. — anunciam as intenções do presidente dos Estados Unidos.

Muito mais que Imperador (ou Nobel da Paz… quem sabe se no ano que vem), Trump parece estar querendo se apresentar é como reordenador do mundo.

Sob o signo da mentira patológica

Na lista de cartazes que enunciavam os sinais de fascismo à vista no protesto de domingo, 19 de outubro, nos Estados Unidos, estava escrito: “Negar a realidade com mentiras constantes”.

Ninguém terá a temeridade de negar que o atual presidente americano é um mentiroso patológico, embora a mentira seja nele tão repetitiva que talvez nos enganemos ao considerá-la patológica.

O organismo já a assimilou, tornando-a natural, um membro ou um órgão a mais do próprio corpo. Em Trump essa característica talvez tenha sido levada ao paroxismo — mas, dado o que temos visto acontecer neste primeiro quarto do século XXI, seria aconselhável não apostar.

O fato é que suas origens se perdem nos anais da própria história imperial.

Mentiras de presidentes, segundo Daniel Ellsberg

Poderia e foi contada (ou ilustrada) por uns tantos narradores da cena americana, do repórter Seymour Hersh ao escritor Norman Mailer.

Mas um dos depoimentos (leia abaixo) apresentados no documentário “Corações e Mentes” (Peter Davis, 1974) — um dos marcos culturais dos anos 1970 —, o de Daniel Ellsberg, ex-analista militar da Rand Corporation (ligada ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos) e autor dos famosos Papéis do Pentágono, tem a contundência dramática e a precisão documental que talvez melhor nos diga sobre a mentira como método de governo.

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Daniel Ellsberg: desmoralizou o poder dos Estados Unidos ao revelar suas mentiras | Foto: Reprodução

1

“Truman mentiu em 1950 sobre a natureza e o propósito do envolvimento francês na reconquista colonial do Vietnã, que estávamos financiando e encorajando.”

2

“Eisenhower mentiu sobre os motivos e a natureza do nosso envolvimento com Diem (Ngo Dinh Diem, presidente do Vietnã após a derrota dos franceses em Dien Bien Phu, em 1954, depois – e logo executado – por um golpe militar em 1963 apoiado por trás dos panos pelos mesmos americanos que o elegeram).”

3

“[John] Kennedy mentiu sobre o envolvimento que tínhamos ali, nosso próprio envolvimento no combate direto e sobre as recomendações feitas para um comprometimento ainda maior. Mentiu também sobre o grau de participação na deposição e na morte de Diem.

4

“[Lyndon] Johnson, é claro, mentiu e mentiu e mentiu sobre nossas provocações contra os norte-vietnamitas antes e depois dos incidentes no golfo de Tonkin, sobre os planos de bombardear o Vietnã do Norte (…)”.

Richard Nixon mentiu e acabou tendo de renunciar, em 1974 | Foto: Reprodução

5

Nixon enganou e mentiu ao povo americano… sobre nosso bombardeio do Camboja e do Laos, as operações terrestres no Laos, os motivos para a nossa invasão do Camboja e do Laos (…).”

O público americano, diz Ellsberg, “foi enganado mês após mês por cada um desses cinco governos”.

Agora, convenhamos, com uma sequência tão duradoura de mentiras oficiais aceitas como verdades sagradas, talvez seja razoável nos perguntarmos se não há, por parte do público americano, mais que uma propensão patológica para se deixar enganar um verdadeiro gozo com o autoengano.