Vacina não é milagre, é ciência que enfrenta obstáculos
13 setembro 2020 às 00h00
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Interromper os testes clínicos da vacina de Oxford é demonstração do rigor da ciência na busca pela cura
A suspensão dos testes clínicos da vacina contra a Covid-19 realizados pela Universidade de Oxford, em parceria com a empresa farmacêutica AstraZeneca, não é uma falha. É fato normal e corriqueiro na ciência. E reforça que as doses de imunização contra a doença causada pelo coronavírus não surgirá de forma repentina ou tão rápida como esperamos (alguns até anunciam). Não é milagre. É um processo científico.
“Em janeiro a gente começa a vacinar todo mundo.” Assim disse o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, durante reunião de Conselho de Governo, na última terça-feira, 8. No mesmo dia em que foi anunciada a interrupção dos ensaios clínicos da vacina de Oxford. Percalços da ciência: uma voluntária do Reino Unido sofreu uma reação adversa grave à dose teste da vacina, considerada uma das mais avançadas no mundo e que está em fase final de estudos clínicos.
A comunidade científica explica e reforça que a suspensão nos testes é ato normal, esperado e não é a primeira vez que acontece nesta mesma pesquisa (a primeira foi em julho, quando um participante apresentou sintomas neurológicos. No caso, ele foi diagnosticado com esclerose múltipla). Não se trata de um balde de água fria ou retrocesso, mas confirma: a vacina não é um milagre.
Mesmo criando certa frustração, a divulgação da suspensão temporária dos testes revela a seriedade com que o assunto é tratado por Oxford e pela AstraZeneca. O que nos deixa mais sensíveis ao fato é que, desta vez, o mundo inteiro está aguardando os resultados desta pesquisa, ansiosos orando pela agilidade da ciência (ou pelo milagre).
Por mais que há uma grande expectativa e uma corrida quebrando todos os recordes, a suspensão nos testes é evidência do quanto é preciso respeitar os procedimentos de segurança – mesmo em uma corrida desenfreada em que todos apostam suas fichas em uma cura repentina, é crucial cumprir os protocolos minuciosos da ciência moderna.
“Trabalho com pesquisa clínica e já tive estudos interrompidos. Os estudos são controlados muito rigidamente por chamados comitês de segurança que atuam de maneira absolutamente independente e autônomo. A esses comitês é dada autoridade para interromper o estudo clínico”, reforça a pneumologista Margareth Dalcomo, professora e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz.
A medida tomada pela Oxford em suspender a pesquisa atinge por tabela a confiabilidade na vacina desenvolvida na Rússia. Por lá, as autoridades anunciaram que já estão produzindo o primeiro lote que será aplicado em sua população. Essas doses serão disponibilizadas sem aguardar os resultados da fase final dos testes clínicos – queimar etapas da pesquisa se mostra uma problemática.
Os obstáculos enfrentados pela ciência no desenvolvimento de uma vacina não se resume a um evento adverso ocorrido em voluntários. Testada em larga escala, as doses podem não alcançar o grau de imunidade esperada. Ainda temos que pensar na logística de produção e de distribuição que pode se revelar barreira que exige mais investimentos e tempo do que a própria descoberta da cura.
Neste cenário precisamos levar muito a sério o que diz a cientista-chefe da OMS, Soumya Swaminathan. Segundo ela, muitos líderes têm visto a vacina como uma “bala de prata”, que “vai chegar em janeiro e que vai acabar com todos os problemas do mundo”. Ela traduziu em poucas palavras o que os pesquisadores envoltos no processo de desenvolvimento da vacina pensam sobre a corrida para ver quem chega primeiro a dose de imunização. Para ela, um cenário otimista, as vacinas devem chegar de forma limitada só em 2021, mas que uma imunização em larga escala pode demorar anos.
Sem o milagre e aguardando o processo normal da ciência na produção da vacina, cabe a nós colocar mais fé no efeito preventivo que tem o distanciamento social, o uso de máscara e a higienização correta.