Na quarta-feira, 4, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou à toque de caixa uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que mexe no funcionamento interno dos tribunais superiores. O movimento marca a escalada de uma crise institucional que tem como lema a ideia de que os superpoderes do Supremo precisam ser contidos. A crise vem após série de iniciativas do Senado, liderado por Rodrigo Pacheco (MG-UB), para confrontar decisões do STF como o marco temporal na demarcação de terras indígenas e legalização do porte de drogas até determinada quantia, aborto e imposto sindical. 

A PEC em questão, de autoria de Oriovisto Guimarães (PR-PODE), propõe que pedidos de vista em tribunais superiores só possam se dar pelo colegiado, e não individualmente. O intuito é impedir que uma lei incômoda a determinado ministro seja definitivamente retirado de pauta. Além disso, a PEC limita decisões monocráticas de ministros em casos de decisões normativas de outros poderes. Por exemplo, uma decisão do presidente da República ou do Senado e da Câmara só poderiam ser é combatidas monocraticamente por ministros em caso de recesso do judiciário e haveria um prazo após o fim do recesso para que o colegiado desses tribunais se manifestasse sobre as questões. 

Como tantas vezes acontece na política, o mérito é justo; a questão é o “como”. O primeiro problema é que, constitucionalmente, o funcionamento interno de qualquer um dos poderes não pode ser interferido por decisão de outro. O próprio Supremo é cauteloso ao evitar a interferência, por exemplo, em funcionamento de CPIs e de comissões internas do Congresso. 

A limitação aos poderes do supremo tem um impasse nas mudanças no rito e no funcionamento do próprio judiciário, que precisam ser feitas internamente, pelo próprio Judiciário. Segundo o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, a corte tem tratado destes temas. Em dezembro de 2022, os pedidos de vista foram limitados a 90 dias; em 2020, as decisões liminares individuais passaram a precisar ser enviadas ao plenário. 

Se a questão parece técnica demais para mover uma crise institucional, é porque é mesmo. O conflito jurídico é uma justificativa para o confronto político subjacente. O que está em jogo é o comando das duas casas – Câmara e Senado – que, a um ano e meio das eleições de suas diretorias, já está em andamento. 

Em busca de apoio para sua sucessão, Pacheco tem se voltado para alas bolsonaristas do Senado, cuja principal campanha sempre foi contra o STF. A ideia de que o Supremo precisa ser contido foi a plataforma de Jair Bolsonaro (PL) em 2022, e agora, quando a cadeira do presidente do Senado se torna foco de interesse também da base governista, passa a ser plataforma de Pacheco. Não importa que o UB tenha nada menos que três ministros no governo e que o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), tenha sido apontado pelo próprio Pacheco. 

A discussão sobre a diminuição dos poderes Supremo, seja por mandato ou limitação das decisões monocráticas, seria desejável (pois o Congresso é mesmo o espaço das discussões)… seria desejável se o debate fosse o objetivo do Senado neste momento. Mas qual é o debate? Para quê se quer limitar o tempo dos ministros na corte? Quais são os argumentos a favor da ideia? Não há. É apenas uma chantagem e ameaça do Senado com objetivo de manter o poder na Casa. 

Do outro lado, o ministro Luís Roberto Barroso defende o tribunal com argumentos errados, que não tratam do problema em si. Segundo o ministro, não se pode mexer no STF porque ele salvou a democracia. Esse pretexto pode ser permanente: a corte nunca poderá ser revista porque já salvou a democracia no passado (e a defesa da democracia sempre será usada como justificativas para as ações de democratas e de autocratas igualmente, portanto, significa pouca coisa).

O que Barroso deveria alegar para refrear a crise institucional é a má qualidade do debate. Defender as instituições é falar claramente: não se pode interferir em um Poder com a intenção de manter a liderança em outro. O que Rodrigo Pacheco quer é consagrar na cadeira da presidência o articulador que é o dono de fato de seu mandato: Davi Alcolumbre, do UB. 

O Supremo Tribunal Federal obviamente necessita de limitações a sua atuação. Há muito tempo, decisões monocráticas e eternos pedidos de vista interferem na atividade parlamentar. Mas o problema do STF tem menos a ver com os instrumentos a disposição dos ministros e mais a ver com a crise de representação e legitimidade. Os ministros precisam se ater à institucionalidade de seus cargos.

Não tendo sido o Judiciário eleito pelo povo, há sempre a brecha para o ataque oportunista às suas decisões (por mais que as decisões sejam justas). O parlamentar sempre poderá dizer que a lei votada pelo povo foi anulada pela “ditadura do STF”, mesmo a lei em questão seja inconstitucional. Como evitar o problema? Com a autoridade do plenário: ministros que foram apontados por presidentes de esquerda e por presidentes de direita concordando de forma técnica.

Porém, se sentindo sob ataque, o caminho que os ministros do STF tomam é o exato oposto. O ministro Barroso dá entrevistas todos os dias, o que destaca sua individualidade e faz o público enxergar seus pontos de vista como ideias que são passíveis de interpretação, de concordância ou discordância. O que o ministro emite no plenário não é a perspectiva da esquerda ou direita, mas um parecer técnico. A ministra Rosa Weber, que teve uma trajetória discreta e consensualmente positiva no STF, agora quer deixar um “legado”. Ora, não existe legado possível a não ser o cumprimento da Constituição. Não há espaço para um esforço além do cumprimento da Constituição, não há dever aquém do cumprimento da Constituição.