Sabe-se agora, aquele gesto pró-mensaleiros era autodefesa prévia

07 abril 2014 às 16h17

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Vice-presidente da Câmara dos Deputados tem ligação com doleiro envolvido em lavagem de dinheiro, num caso que lembra muito Demóstenes Torres com Carlinhos Cachoeira

O deputado André Vargas, do PT do Paraná, é um pai de família amoroso, que gosta de viajar com a família. Foi o que fez no início do ano. Na terça-feira, 2, reportagem do jornal “Folha de S.Paulo” revelou que Vargas, que vem a ser nada menos que o vice-presidente da Câmara dos Deputados, viajou com a família de Londrina (PR) a João Pessoa (PB) num jatinho cedido pelo doleiro Alberto Youssef, seu amigo de longa data.
Até aí, aparentemente, poderia não ser nada demais. O problema é que Youssef é pivô da operação Lava Jato, da Polícia Federal, que investiga esquema de lavagem de dinheiro que pode ter movimentado R$ 10 bilhões em operações suspeitas. O doleiro está preso. Tem mais. Alberto Yousseff já tinha sido citado em outro negócio enrolado. A revista “Veja”, no mês passado, revelou que uma empresa chamada Labogen assinou com o Ministério da Saúde um contrato de R$ 150 milhões para o fornecimento de remédios.
A PF descobriu que a Labogen não tem planta industrial e que parte dos remédios seriam fabricados por outro laboratório, ao qual a empresa repassaria 40% do contrato, ou R$ 60 milhões, ficando com R$ 90 milhões, sem precisar fazer nada. Um negócio da China, como se costuma dizer. A polícia revelou que a Labogen, que tem capital de apenas R$ 28 mil, é um dos instrumentos de lavagem de dinheiro de Alberto Youssef. Só essa empresa teria remetido ilegalmente para o exterior US$ 37 milhões.
Nas escutas da PF sobre os negócios do doleiro, foram flagradas conversas com André Vargas. Numa delas, Vargas diz que a reunião com o Gadhella foi “boa demais”. Em outro momento diz: “O Gadha vai nos ajudar”. Mas, quem é Gadhelha, o Gadha? É o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, um dos responsáveis pela compra de remédios. Percebe a conexão, leitor?
Mas, voltemos à viagem no jatinho. À reportagem da “Folha”, André Vargas admitiu conhecer o doleiro há mais de 20 anos e que pediu o avião porque voos comerciais estavam muito caros e que pagou o combustível. Disse que não sabia com quem eu estava se relacionando. “Não tenho nenhuma relação com os crimes que ele eventualmente cometeu”, defendeu-se. Nos dias seguintes, com novas reportagens mostrando a incongruência das explicações, Vargas inventou outras histórias, pediu desculpas, admitiu ter errado, chorou para os colegas na Câmara, etc.
Na quinta-feira, 3, o PSOL protocolou um ofício para que a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados abra processo de investigação contra André Vargas. No dia seguinte, PSDB e o DEM informaram que no início desta semana vão entregar uma representação no Conselho de Ética contra o deputado. O argumento é que o uso da aeronave pelo petista pode configurar recebimento de vantagem indevida e, portanto, quebra de decoro parlamentar, o que, segundo o regimento, pode resultar até em perda do mandato.
É bom lembrar que em 2012, o então senador Demóstenes Torres foi expulso de seu partido, o DEM, e teve o mandato cassado justamente por ligações esdrúxulas com um criminoso, Carlinhos Cachoeira. As investigações mostraram que Demóstenes usava seu mandato para favorecer o contraventor anapolino. E o que o PT vai fazer em relação ao seu deputado flagrado em conexões pouco republicanas com uma pessoa envolvida em negócios nebulosos? No caso de Demóstenes, o DEM expulsou sem contemplação.
Outro fato curioso envolvendo André Vargas — por sinal um dos homens da tropa de choque do ex-presidente Lula da Silva e dos mais estridentes adeptos do movimento “volta, Lula”, em lugar de Dilma Rousseff como candidato à Presidência —, ocorreu na abertura do ano legislativo, no início de fevereiro. Na oportunidade, no Congresso Nacional, sentado ao lado do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, Vargas reproduziu o gesto dos companheiros petistas condenados no processo do mensalão no momento em que estes foram conduzidos para a cadeia.
O gesto foi de total falta de respeito não apenas ao ministro, mas ao Judiciário brasileiro. Os mensaleiros dos núcleos empresarial, bancário e político (neste foram condenados os petistas José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato e políticos de outros partidos) foram julgados em processo legítimo, com todas as chances de defesa, com as provas devidamente consignadas nos autos. Aliás, o que se pode discutir é a posterior reviravolta no julgamento, que acabou sendo amplamente favorável aos mensaleiros petistas, uma vez que os livrou do crime de formação de quadrilha e em consequência diminui-lhes o tempo em que vão ficar no xilindró.
Pelo histórico de ligação e intermediação dos interesses do doleiro Alberto Youssef junto ao Ministério da Saúde — e em quantos ministérios mais? — André Vargas sabia (sabe), consciente ou inconscientemente, que tem imenso potencial para também ganhar uma cela na Papuda a qualquer momento. O gesto pró-mensaleiros do PT, numa atitude de afronta a Joaquim Barbosa, portanto, foi autodefesa premonitória. André Vargas se conhece.