Orçamento engessado vai dificultar aumento dos investimentos, o que é fundamental para melhorar a qualidade dos serviços públicos e da infraestrutura e, por consequência, dar condições para o crescimento do país

Não será fácil a tarefa daquele (ou daquela) que ganhar a eleição para a Presidência da República na eleição de outubro próximo. Na área econômica, o próximo mandatário terá de enfrentar uma forte restrição orçamentária. Em linguagem mais simples, terá pouquíssimo dinheiro para gastar, visto que hoje mais de 90% das despesas da União são obrigatórias, o que deixa ao governo uma margem de menos de 10% para gastar livremente, conforme suas prioridades.

Essas dificuldades estão explicitadas em esclarecedora reportagem assinada pelo repórter Fernando Jasper, do jornal “Gazeta do Povo”, publicada na semana passada, cujos principais pontos eu resumo em seguida.

Na medida em que os gastos obrigatórios — principalmente Previdência e folha de pagamento do funcionalismo — ganham terreno, os discricionários (de livre escolha) vão minguando. É essa a razão da diminuição dos investimentos ano a ano, o que piora a qualidade dos serviços públicos e da infraestrutura e, por consequência, limita a capacidade de crescimento do país.

Jasper anota que há problema ainda pior no curto prazo, por que se nada for feito logo, a administração federal pode entrar em colapso no próximo governo. Explica-se: parte dessa despesa discricionária cada vez menor é custeio dos ministérios, portanto, poderá faltar dinheiro até para o dia a dia da máquina pública.

Conforme o texto, há vários cálculos sobre os gastos públicos, mas todos acabam num denominador comum: o nível de engessamento no Brasil é singular. “A rigidez orçamentária no Brasil é seguramente a mais alta na América Latina e, provavelmente, a mais alta do mundo”, está registrado em relatório do Tesouro Nacional, divulgado em março. O relatório, com base em dados de 2017, diz que quase 94% das despesas primárias (não vinculadas à dívida pública) do governo brasileiro são rígidas. O número é muito próximo ao estimado por organizações internacionais, como o Banco Mundial, que mencionou um índice de 92% de gastos obrigatórios no Brasil num estudo publicado em novembro do ano passado.

Mais que nossos vizinhos
Um mês antes, a agência de classificação de risco Moody’s havia falado em comprometimento de 93%. Para comparação, segundo a agência: na Argentina, é de 85%; no Chile, 74%; e no México, 70%.

Jasper escreve que a Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, calcula que em 2017 a rigidez orçamentária chegou a 93,3% do total de despesas sujeitas à regra do teto de gastos públicos, sobrando uma “margem fiscal” de apenas 6,7%.

Pelas contas da IFI, escreve o repórter, a queda da inflação, que ajuda a conter parte das despesas, desengessou uma pequena parte do Orçamento deste ano, ampliando a margem de ação do governo para 8,6% dos gastos sujeitos ao teto.

Entrevistado pelo repórter, Gabriel Leal de Barros, diretor da IFI, disse que a despeito dessa queda, a rigidez ainda é muito grande: “Como menos de 10% dos gastos estão sujeitos a algum tipo de ação no curto prazo, o grau de liberdade que o governo tem para agir é muito pequeno. Ele fica meio que de mãos amarradas para fazer algo, pelo menos no curto prazo”.

A margem fiscal do governo cairá para zero nos próximos anos e passará a negativo em 20124, conforme simulações feitas pela IFI. Isso significa que, para respeitar o teto de gastos (aprovado pelo Congresso Nacional no final de 2016, com o objetivo de equilíbrio das contas públicas por meio de um rígido mecanismo de controle de gastos), o governo deixará de pagar parte das despesas obrigatórias. O que pode acontecer é que o governo simplesmente poderá ignorar a regra do teto.

Mas antes disso, os problemas podem começar.

O diretor da IFI lembra que cerca de metade da margem fiscal é composta por despesas de custeio, para manter o funcionamento mínimo da máquina pública. São despesas com energia elétrica, segurança, limpeza, etc. Algo difícil de cortar sistemática e sucessivamente. “Pelas nossas estimativas, o gasto mínimo de custeio gira torno de R$ 75 bilhões a R$ 80 bilhões por ano, e a margem fiscal total deve cair a esse ponto entre 2019 e 2020”, diz o diretor da IFI. O problema vai pegar o próximo governo em cheio.

No Relatório Fiscal de 2017, publicado em março, o Tesouro Nacional revelou que a rigidez orçamentária atingiu em 2017 os maiores níveis da história, sob qualquer parâmetro.

Copio trecho do relatório do Tesouro:

“Desde a Constituição Federal de 1988, o orçamento público brasileiro vem sofrendo processo intenso de engessamento, resultante da propagação de despesas obrigatórias e de transferências constitucionais e legais, de regras de indexação de despesas, de obrigatoriedade de aplicação mínima de recursos em alguns setores e de criação de receitas vinculadas a determinados gastos, o que limita a capacidade do Estado de realizar políticas públicas e de realocação de recursos para cumprimento de metas fiscais”.

A reportagem registra que o indicador “ampliado” do Tesouro (que tem destaque no documento), aponta que 93,7% dos gastos primários do ano passado eram obrigatórios. Nessa conta estão as despesas determinadas pela Constitui­ção e por leis ordinárias, contratos e convênios, além de outros gastos que não são submetidos a limites na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Comprometimento
Segundo o Tesouro, o nível de comprometimento é um pouco mais baixo – de 89,3% em 2017– quando se consideram apenas as despesas fixadas na Constituição e em leis ordinárias (indicador “restrito”). Mas, numa conta mais abrangente, incluindo os gastos do indicador “ampliado” mais os restos a pagar de anos anteriores (indicador “estendido”), o número chega a 97,6%.

Segundo o texto, em todas as estimativas, os gastos obrigatórios já são maiores que as receitas recorrentes do governo federal. “Pelo critério “ampliado” do Tesouro, por exemplo, esse tipo de desembolso passou a superar a arrecadação em 2015. No ano passado, ela já estava 7,4% acima das receitas habituais. O que explica por que o governo fecha as contas no vermelho antes mesmo de pagar os juros da dívida pública.”

O repórter escreve que o governo registra déficit primário desde 2014 e, desde então, vem pegando novos empréstimos – emitindo títulos da dívida pública – para conseguir pagar os juros da dívida já existente e parte das despesas correntes: Assim, a bola de neve do endividamento cresce ainda mais rápido.

Segundo Jasper, esse movimento poderia ser contido com a volta da poupança de dinheiro para pagar os juros, como ocorria até 2013. O esforço seria considerável atualmente, uma vez que, segundo o Tesouro, para alcançar uma sobra (superávit primário) equivalente a 1% do PIB, a proporção de gastos obrigatórios pelo conceito “ampliado” teria de baixar para algo entre 80% e 85% do total, o que não ocorre desde o início do século.

Teto deveria ajudar, mas…
A reportagem registra que a PEC que instituiu o teto dos gastos, que deveria ajudar a conter as despesas públicas, acabou criando uma armadilha. O teto foi criado na tentativa de impedir que os desembolsos do governo cresçam acima da inflação, mas ele não tem efeito sobre o maior gasto de todos, a Previdência Social, que não pode simplesmente congelar o pagamento de aposentadorias e pensões, despesa que tem crescido em média 3,5% ao ano acima da inflação.

Dessa forma, com quase todas as outras despesas congeladas pelo teto, o pagamento de aposentadorias e pensões vai avançando sobre o dinheiro que antes seria destinado a outras áreas, incluindo investimentos. Para limitar os desembolsos da Previdência teria de alterar as regras de concessão, o que em boa parte dos casos exige mudanças na Constituição. Outras palavras para isso: fazer a reforma da Previdência.

O presidente Michel Temer bem que tentou fazê-la, mas enfraquecido pelos escândalos de corrupção e pelos interesses eleitorais dos parlamentares, o emedebista perdeu apoio político e popular e enterrou reforma da Previdência.