Doses contra Covid-19 é questão de saúde pública. Compras de vacinas que não sejam negociadas pelo Governo Federal enfraquece o SUS e fomenta desigualdade

O melhor caminho para o enfrentamento da pandemia é desacreditar e desautorizar o Plano Nacional de Imunização (PNI)? Tirar a responsabilidade do Ministério da Saúde de adquirir e coordenar a aplicação da vacina contra Covid-19 não parece a melhor opção quando há uma escassez do imunizando pelo mundo. Ao ceder a pressão e permitir que empresas privadas, estados e municípios negociem doses de forma isolada, o Governo Federal amplia a disposição para privilégios, golpes, desvios e falsificações.

Dois alertas foram dados esta semana em Goiás. O primeiro chegou por meio de um ofício enviado pela embaixada da China, endereçada ao governo do Estado, que alerta sobre falsos representantes de indústrias farmacêuticas chinesas, que ofertam vacinas, mas não as tem. É golpe. O segundo aviso de risco que estamos expostos ao permitir a negociação de doses contra Covid-19 por outros que não sejam o Governo Federal, foi divulgado na reunião entre prefeitos goianos e representantes do Estado. Foram muitos relatos de ofertas de contratos de venda de vacinas. Prefeituras e até mesmo a Secretaria Estadual de Saúde estão na mira dos golpistas.

Os ricos também são alvos dos golpistas. Vide o caso ocorrido em Minas Gerais. Ansiosos para terem suas doses, acreditavam que a vacina contra Covid é algo parecido com comprar uma passagem na primeira classe – basta ter dinheiro para ter o privilégio. Caíram em um golpe de uma falsa enfermeira que vendia a R$ 600 falsos imunizantes. Deu errado, mas evidenciou o que pode ocorrer quando não há o mínimo controle sobre a distribuição de um bem escasso como uma vacina em meio a pandemia.

Há uma grande demanda mundial por vacinas. Diante disso, não há nem que se discutir quanto a prioridade dada pelos grandes laboratórios aos contratos firmados com o governo federal. Isso torna praticamente impossível que alguma iniciativa privada ou prefeitos e governadores, de forma isolada consiga negociar vacinas em qualquer parte do mundo. Estamos em emergência global.

É preciso reconhecer que no Brasil o ritmo é lento na  vacinação. Mas a solução não me parece vir de leis que passam ao setor privado, estados e municípios o poder de acelerar a imunização no País. Aliás, essa privatização e descentralização da margem para que pessoas se beneficiem da desorganização e possam passar a frente dos grupos prioritários, que ainda não foram totalmente imunizados. Vamos criar bolhas de privilégios em meio a pandemia.

A vacinação contra Covid-19 é uma questão de saúde pública. Sem uma coordenação central, com interferências do setor privado, estados e municípios mais ricos do que os demais, iremos assistir a mais uma promoção da desigualdade social no Brasil. A forma como parte dos parlamentares e até mesmo o Governo Federal deseja se livrar da responsabilidade do atraso e lentidão na vacina, compromete o SUS e o PNI, que agora podem ficar à deriva em meio a outras políticas públicas que sofrem interferências do  mercado. Caso se consolide a pulverização das negociações, compras, distribuição e aplicação das vacinas contra Covid-19, no Brasil, vamos perder a capacidade de organização e estrutura que o País encontra nos profissionais e estrutura das Unidades Básicas de Saúde, escolas e gestão centralizada. 

O Brasil tem um histórico de vacinação em massa, com distribuição de vacinas para o País inteiro. As campanhas sempre tiveram sucesso. Os profissionais do SUS têm orgulho de contar com um dos melhores programas de vacinação que há no mundo. Por pressão vai se abonar essa que é a nossa melhor aposta para alcançar algum  controle sobre o coronavírus?

O exemplo dado pelos países que conseguiram avançar satisfatoriamente na imunização contra a Covid está na concentração de aquisição e distribuição das doses por meio do governo central. Embora a condução do enfrentamento da pandemia pelo Governo Federal tenha sido vexatória, é preciso ter sempre claro em mente que administração pública tem a função de cuidar dos interesses comuns da população.

O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) que questiona a autonomia dos estados e municípios conduzirem as medidas de enfrentamento, é o mesmo que trabalha para que o setor privado, governadores e prefeitos deem seus jeitos para comprar e aplicar a vacina, se possível antes que comece a campanha de 2022.