Primeiros “fichas sujas” voltam a ser elegíveis
06 setembro 2020 às 00h00
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A eleição 2020 será o grande teste dos efeitos da Lei da Ficha Limpa a longo prazo. Com o adiamento das eleições para novembro deste ano, os candidatos considerados inelegíveis a partir de 2012 podem voltar a se candidatar este ano
As eleições municipais deste ano podem marcar o retorno de parte dos 1,5 mil políticos condenados pela Lei Ficha Limpa em 2012. Eles se beneficiaram de uma brecha provocada pela crise sanitária do novo coronavírus que obrigou o adiamento das eleições para 15 de novembro.
A Lei Ficha Limpa foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010 – atualmente ele é um dos políticos impedidos de se candidatar por se enquadrar na norma. Desde então tornam-se inelegíveis por oito anos os políticos condenados em processos com trânsito em julgado ou decisão por órgão colegiado. Como a Lei da Ficha Limpa foi aplicada pela primeira vez em 2012, muitos dos que tiveram inelegibilidade determinada à época deveriam ficar ainda este ano fora das eleições. Mas dentre os tantos reflexos da pandemia, um deles acabou beneficiando os “fichas sujas”.
Dados do IDEA (Institute for Democracy and Elections Assistence) apontam cerca de 65 países tomaram a decisão de adiar eleições em virtude da pandemia. No Brasil, que atualmente ocupa o infeliz segundo lugar no ranking mundial entre os países com mais mortes pela Covid-19, não poderia ser diferente. As eleições, que tinha o primeiro turno marcado para 4 outubro, foi adiada para 15 de novembro. Essa medida alterou todo o calendário eleitoral.
Esse novo calendário resultou em um efeito cascata no que tange os prazos, datas e definições para realização das eleições. Em meio a isso surgiu um questionamento: os “fichas sujas” condenados em 2012 teriam até 15 de novembro cumprido os oito anos de inelegibilidade previstos pela Lei, e assim poderiam registrar suas candidaturas? A consulta foi feita e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou que sim. Políticos condenados têm a possibilidade de se tornarem opção nas urnas neste ano.
Entre advogados eleitorais e outros juristas que lidam com o tema, a decisão foi acertada. Isso porque o TSE forneceu segurança jurídica, cumprindo a risca o que dizem os prazos eleitorais. Caso a corte não tomasse tal posição, já era esperado uma enxurrada de questionamentos judiciais partindo de candidatos enquadrados como “ficha suja”. Isso além de tumultuar os Tribunais Regionais, poderia ocasionar decisões diferentes em cada região.
Por outro lado, alguns líderes partidários não gostaram da resposta dada pelo TSE. Para quem já se organizava para disputar a eleição desde o começo do ano, sem contar com concorrentes diretos que estavam impedidos pela Lei Ficha Limpa, o mais adequado era que fosse mantida a inelegibilidade.
Uma das lideranças ouvidas pela coluna, aponta que a punição não foi cumprida por quem estava inelegível por oito anos, já que poderão concorrer ao pleito deste ano. Muitos creem que a definição do TSE tira o caráter pedagógico da Lei Fica Limpa.
Ainda não é possível saber quantos candidatos beneficiados pela decisão do TSE devem se candidatar para a disputa municipal de 2020. Só será possível ter dimensão disso após o prazo de pedido de registro de candidaturas – que encerra no próximo dia 26 de setembro.
Teste para memória dos eleitores
É certo que durante todos os anos em vigor, a Lei da Ficha Limpa promoveu uma mudança significativa para impedir que possíveis candidatos corruptos, inclusive condenados por determinados atos ilícitos, participassem do processo eleitoral.
Entretanto, infelizmente, não há um instrumento capaz de medir o verdadeiro impacto da norma para a corrupção nas eleições e mandatos no Brasil. O que nos é é sensível e perceptível é que essa Lei incentiva os eleitores a ficarem mais atentos à escolha dos candidatos. Neste ponto, é uma questão de aprendizado e memória.
Como os primeiros a terem inelegibilidade expirada podem retornar em uma eleição municipal, onde fatores pessoais muitas vezes são mais decisivos para o voto, 2020 será o teste dos efeitos da Lei da Ficha Limpa a longo prazo. O eleitor precisa ter ciência de que esse filtro (ficha limpa ou ficha suja) ajuda a melhorar a qualidade dos representantes e, em tese, os serviços por eles prestados.
“Fichas sujas” em 2020
Em todo o Brasil mais de 11 mil gestores públicos condenados por atos administrativos em segunda instância devem ser enquadrados na Lei da Ficha Limpa neste ano. O levantamento parcial, feito pela Associação de Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), leva em conta de 15 estados que já se anteciparam ao prazo de 25 de setembro, quando todos os tribunais devem encaminhar seus relatórios à Justiça Eleitoral.
Até agora, uma lista é liderada por gestores do Ceará (2.900 nomes), Minas Gerais (1.489), Paraná (1.310) e Pará (1.200), seguidos por Santa Catarina (1.024), Piauí (764) e Tocantins (653). A Paraíba tem 430 gestores condenados e Goiás e Alagoas aparecem no final com apenas 21 e 12.
A inclusão na lista de pessoas com contas julgadas irregulares não garante a inelegibilidade de responsáveis por essas contas. Cabe à Justiça Eleitoral a interpretação da lei na hora de aprovar ou não o registro de candidaturas. E há variáveis que incidem no próprio curso da campanha eleitoral.