Política externa do próximo presidente não pode se resumir à Venezuela

22 setembro 2018 às 23h54

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Planos de governo dos principais presidenciáveis não dão grande destaque às relações
internacionais

Nos debates e nas sabatinas com os principais candidatos a presidente da República, a política externa é um tema pouco tratado. Compreensível, já que o Brasil passa por muitos problemas internos, que são mais sentidos pela sociedade no dia a dia e, consequentemente, pautam as discussões entre os presidenciáveis com maior frequência.
Além da fantasiosa questão levantada por Cabo Daciolo (Patriota) no debate da Band sobre a criação da União das Repúblicas Socialistas da América Latina — a famosa Ursal, que ganhou as redes sociais —, a crise na Venezuela é praticamente o único tópico referente à política externa abordado pelos concorrentes ao Planalto.
A situação no país vizinho, que resulta em um fluxo de refugiados a Roraima, é, de fato, muito importante e deve, sim, ser discutida a fim de mediar o conflito de forma imparcial, diferentemente dos governos anteriores, que apoiaram um lado, e do atual, que apoia outro. Mas o Brasil é grande demais para sua política externa se resumir a isso, ainda mais porque o País está perdendo voz no cenário mundial à medida em que não se dá a devida atenção a esta área.
É inegável que a última vez que algum presidente decidiu promover projeção internacional do Brasil foi durante os mandatos do ex-presidente Lula da Silva (PT), concorde ou não com as práticas adotadas — que, aqui, não estão em discussão. Sua sucessora, Dilma Rousseff (PT), e o atual presidente, Michel Temer (MDB), deram as costas ao Itamaraty.
No governo do emedebista, o cenário é ainda pior. Temer transformou uma pasta que exige competência técnica em um ministério político. O presidente distribuiu cargos para ter governabilidade e incluiu o Itamaraty nesse bolo com a nomeação do senador José Serra (PSDB), que se afastou da função em 2017 alegando problemas de saúde.
Foi a primeira vez desde 2002 que um não diplomata de carreira esteve à frente do Ministério das Relações Exteriores — Celso Lafer liderou a política externa brasileira de 29 de janeiro de 2001 até o final do governo Fernando Henrique Cardoso. Aliás, FHC é outro não diplomata que foi chanceler — neste caso, durante o governo Itamar Franco, antes de assumir o Ministério da Fazenda.
Atualmente, a pasta é comandada por Aloysio Nunes (PSDB), que, apesar de ter sido presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, é mais um não diplomata exercendo um cargo que não lhe compete.
Futuro
O próximo presidente do Brasil encontrará um mundo cada vez mais multipolar. Os Estados Unidos estão se isolando dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a União Europeia está em crise devido a movimentos populistas, como na Itália, e ao Brexit. Enquanto isso, a China articula uma nova rota da sede a Rússia aumenta sua influência em regiões importantes, como o Oriente Médio.
No ano que vem, o País sediará a cúpula dos Brics — acrônimo para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, um grupo de cooperação que se opõe à ordem mundial vigente e tem um banco próprio, o Novo Banco de Desenvolvimento, que surgiu como uma possível alternativa ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial. Trata-se de uma boa oportunidade para medir a influência e capacidade do presidenciável que for eleito.
Principais propostas
Nos planos de governo, que alguns preferem chamar de diretrizes gerais, dos cinco principais candidatos — Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT), Geraldo Alckmin (PSDB), Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede), que as pesquisas de intenção de voto indicam que podem estar no segundo turno —, a política externa não aparece como prioridade.
Veja a seguir um resumo do que pensa cada candidato em relação a temas que, dificilmente, aparecerão nos próximos debates e entrevistas:
Ciro Gomes

“Defesa, Política Exterior e Soberania Nacional” é o último item das diretrizes gerais do documento apresentado por Ciro Gomes ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nele, o candidato do PDT defende uma governança global sem governo global focada na “coalização entre países”, como Brics e Mercado Comum do Sul (Mercosul).
Ciro Gomes aposta em um projeto de integração sul-americana e propõe reconstruir as relações com a África, fortalecer as com os Estados Unidos e desenvolver as com a China, mas sem qualquer tipo de relação neocolonial.
Fernando Haddad

O recém-anunciado candidato do PT, Fernando Haddad, apoia uma reforma no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e iniciativas como o Brics e o Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (Ibas).
O petista diz que priorizará o Mercosul e a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), além de buscar consolidar e construir a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). “Nosso governo promoverá a integração das cadeias produtivas regionais, o desenvolvimento da infraestrutura e o fortalecimento de instrumentos de financiamento do desenvolvimento.”
Geraldo Alckmin

O candidato do PSDB garante que defenderá valores como democracia e direitos humanos, além do meio ambiente. Segundo Geraldo Alckmin, o seu governo cumprirá as metas assumidas no Acordo de Paris. “O meio ambiente e o desenvolvimento sustentável são grandes ativos do Brasil. A gestão da Amazônia, bioma compartilhado com nações amigas, receberá especial atenção.”
O tucano assegura, ainda, que utilizará a diplomacia com o objetivo de firmar acordos comerciais, que, de acordo com ele, ajudarão a expandir os mercados brasileiros no exterior e reinserir o País na economia global.
Jair Bolsonaro

A política externa do presidenciável do PSL — que, assim como Ciro Gomes, a coloca em último em seu plano de governo — tem três eixos básicos: ênfase em acordos bilaterais, aprofundamento das relações com países latino-americanos “livres de ditaduras” e aproximação com democracias que considera importantes, como Estados Unidos, Itália e Israel.
Jair Bolsonaro deixa clara a sua admiração pelo presidente dos EUA, Donald Trump, e já declarou que pretende seguir os passos do republicano e transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
Marina Silva

O plano de governo da candidata da Rede dá a entender que a ideia é fazer com que o Brasil
tenha uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Para ela, a política externa
precisa ser guiada pela defesa dos direitos humanos, da democracia, da autodeterminação dos povos e da não intervenção, firmando compromisso com o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, a promoção da paz e a cooperação internacional.
Marina Silva indica quatro regiões fundamentais com as quais o País deve promover o
aumento da interdependência econômica, tecnológica, política e cultural, sem protecionismo e
com mercados mais abertos: América do Sul, América do Norte, União Europeia e Leste
Asiático. Além disso, a presidenciável quer estabelecer parcerias com a África e dar atenção a
sub-regiões tecnologicamente inovadoras, como o Vale do Silício, na Califórnia, e a Baviera, na
Alemanha.