O que quer essa nova direita?
08 abril 2018 às 00h00
COMPARTILHAR
Flávio Rocha (PRB) e João Amoêdo (Novo), pré-candidatos à Presidência da República, conseguem consubstanciar concretamente seus discursos, mas resta saber se terão chances de chegar ao 2º turno
Comumente se diz que no Brasil não há partidos de direita. Em 2011, a revista “Veja” trouxe uma reportagem cujo título era justamente “O incrível caso do país sem direita”, com subtítulo “Não há partidos conservadores no Brasil. O único liberal de peso agoniza depois de perder nomes importantes. E são poucas as perspectivas de mudança”.
Vale a pena transcrever o primeiro parágrafo: “O espectro político brasileiro é peculiar: na ponta esquerda, tem o jurássico PCO. Passa por socialistas radicais, como o PSOL e o PSTU, pelos comunistas conformados do PPS, pelos social-democratas do PT e do PSDB, pela esquerda verde do PV e se encerra no centro, onde estão PP e DEM. Não há, entre os 27 partidos brasileiros, um que se assuma como direitista. E o recente anúncio da criação do PSD, que se define como social-democrata, abre um buraco no DEM e empurra o eixo da política brasileira ainda mais para a esquerda”.
De lá para cá, pouca coisa mudou. No tocante à direita, o mais importante é que surgiu o partido Novo (fundado em 2011, mas cujo registro só saiu em 2015), com um ideário alinhado ao liberalismo econômico. Um dos fundadores é o engenheiro e administrador carioca João Dionísio Amoêdo, vindo de carreira no sistema financeiro, que é o pré-candidato do partido ao Palácio do Planalto.
De forma geral, mas principalmente no Brasil, o conceito “direita” foi demonizado. Poucos políticos assumem ser de direita, preferindo se colocar como de centro ou centro-direita. Ser “de” direita ficou carimbado como contrário aos direitos humanos e às conquistas sociais, enquanto o “de” esquerda é a favor. Ou seja, a virtude estaria na esquerda e o pecado na direita.
Nos programas partidários até há posicionamentos claros quanto a temas à esquerda e à direita. Na prática, no entanto, a caracterização mais evidente dos partidos brasileiros é justamente a falta de rigor programático. Nas eleições, por exemplo, para ganhar o poder, partidos fazem aliança com outros que pregam um ideário totalmente diferente.
No Brasil, por sinal, as posições se embaralharam. Há pessoas de direita que em alguns temas assumem bandeiras de esquerda e vice-versa. Acrescente-se a isso outro fenômeno curioso: políticos de esquerda e de direita acabam por ser populistas. E a história mostra que o populismo é o que de pior pode acontecer a um país, quando se sabe que dirigentes populistas governam com o único objetivo de obter apoio popular. O populista não imprime as políticas necessárias para o bem de seu povo a longo prazo, mas apenas aquelas que lhe dão “ibope” imediato.
O populista utiliza linguagem simples e popular, toma medidas autoritárias em nome do “povo”, desrespeita partidos políticos e instituições democrática e se coloca como capaz de resolver todos os problemas. Na voga populista é que surgem os “pais dos pobres”, como Getúlio Vargas. Mais recentemente, o petista Lula da Silva é o maior populista brasileiro, assim como o esquerdista venezuelano Nicolás Maduro. Lula e Maduro são dois populistas de esquerda. Nos Estados Unidos está na presidência um populista de direita, Donald Trump.
E o populismo, está claro, até pode ser positivo à população mais pobre num primeiro momento, mas inevitavelmente termina por jogar o país num buraco econômico. Aconteceu no Brasil, como resultado das políticas populistas de Lula seguidas por Dilma Rousseff, e o estrago causado na economia só agora, aos poucos e a duras penas, está sendo revertido. Está acontecendo na Venezuela, vítima do populismo de Hugo Chávez seguido por Maduro, o que devastou a economia de um dos países mais ricos da América Latina.
Feito o introito, pode-se perguntar: neste ano, os brasileiros terão candidatos de direita como opção?
De imediato, pode-se responder que sim, elencando Jair Bolsonaro (PSL), Rodrigo Maia (DEM), Flávio Rocha (PRB) e o próprio João Amoêdo, do Novo. E os indefectíveis Levy Fidelix (PRTB), que vai concorrer pela terceira vez à Presidência da República, e José Maria Eymael (PSDC), que disputará pela quarta vez.
Ocorre que Bolsonaro — pré-candidato que desponta nas pesquisas e tem chances reais de ir ao segundo turno —, pelas suas atitudes e declarações tem se colocado como um extremista de direita, portanto, fora do escopo do que se pretende abordar nesse texto.
Rodrigo Maia também não se enquadra, uma vez os integrantes do DEM não se admitem de direita. Por incrível que pareça, nem mesmo o senador goiano Ronaldo Caiado se assume como direitista. Na reportagem de “Veja” citada antes, Caiado disse que o rótulo só faria sentido em países onde há tradição de uma direita democrática. “Aqui não existe essa tradição”, explicou.
Quanto a Levy Fidelix e José Maria Eymael, de partidos nanicos, esses concorrem apenas para constar. Então, sobram Flávio Rocha, do PRB, e João Amoêdo.
E o que propõem esses dois nomes de direita para o eleitorado brasileiro?
João Amoêdo quer reduzir o papel do Estado e equilibrar as contas públicas
Participar, influenciar e interferir na reconstrução da política nacional, para que o debate de ideias ocupe o espaço do discurso populista que tem dominado as últimas disputas no Brasil. É esse o ideário do partido Novo, professado pelo seu pré-candidato ao Palácio do Planalto, o engenheiro e administrador de empresas João Dionísio Amoêdo, de 55 anos.
Amoedo é um líder muito competente, estrategista, inovador e acima de tudo humano. O testemunho é de Elison Bernardes, empresário goiano integrante do Novo. “Conheço-o desde 2011, com o propósito das coletas de fichas para o registro do partido. É sempre muito focado nos objetivos e pronto para mostrar os melhores caminhos, inclusive, em relação ao Novo, nos alertava quanto a evitar atalhos.”
Bernardes destaca o lado humano do correligionário: “É um homem de família, casado há 30 anos e com bastante exemplos quando falamos de metas. Ousado, disputou ironmans, foi o ‘estagiário que chegou a presidência’. Tem capacidade comprovada de gestão e engajamento de pessoas. É o nome da ponta para o exercício da Presidência, principalmente se formos comparar as biografias e os resultados construídos ao longo da história dele!”
A candidatura de João Amoêdo se deve à insatisfação com a política tradicional e a crise institucional e o objetivo é, caso vença a eleição, implementar suas ideias de uma economia liberal no País, de reduzir o papel do Estado, equilibrar as contas públicas e realizar as reformas estruturais.
Participar
Em entrevista à revista “Dinheiro”, no final do ano passado, o pré-candidato, que nunca disputou cargo eletivo, afirmou que por ser um novato na política nacional, quer fazer o contrário do que os velhos políticos fazem. Ganhar a eleição é a meta, mas uma derrota não será considerada um fracasso.
O fundamental, disse, é participar, influenciar e interferir na reconstrução da política nacional, para que o debate de ideias ocupe o espaço do discurso populista que tem dominado as últimas disputas. “Não basta ter só um nome novo na política, é preciso ter postura e atitude novas.”
Mas, lançar um desconhecido sem histórico na vida pública como candidato seria uma estratégia inteligente do Novo? A missão que o partido se propôs é de atrair a sociedade civil para participar ativamente da política. As credenciais do pré-candidato à Presidência pela sigla estão ligadas à carreira construída como executivo do mercado financeiro, onde iniciou no Citibank, no final dos anos 1980, antes de ingressar no banco de investimentos BBA.
João Amoêdo tinha uma pequena participação societária no BBA, o que leva pessoas a se referirem a ele como banqueiro, embora essa divisão do negócio com executivos seja uma prática de todo o mercado financeiro. Ele foi membro do conselho de administração do Itaú-BBA até 2015, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) homologou o registro de criação do Novo.
O Novo é o primeiro partido, entre as 35 siglas registradas do Brasil, a não ter vergonha de assumir ser de direita e liberal. A sigla defende o fim das coligações partidárias, usadas para vencer eleições a qualquer custo. E quer a privatização de estatais como Petrobrás, Correios e Banco do Brasil.
Uma das preocupações do pré-candidato é justamente não se colocar como personificação do Novo, ao contrário do que acontece nos partidos tradicionais ancorados em uma figura conhecida. Os críticos preferem dizer que esse é o “partido de banqueiros” ou que prega o estado mínimo. Segundo João Amoêdo, essas definições buscam complicar o entendimento do que ele quer para o Brasil: um Estado mais simples e menos burocrático.
O argumento do Novo é que a proposta é ter o cidadão máximo, ou seja, que o governo influencie minimamente na vida do cidadão. É um contraponto ao modelo em vigor, no qual o governo se compromete a fazer quase tudo, mas não tem conseguido entregar serviços públicos satisfatórios.
João Amoêdo tem pregado a busca pela eficiência na gestão, lembrando que fora disso os cidadãos acabam dando mais poder para o Estado aumentar a carga tributária, porque o dinheiro que é entregue a ele não é suficiente para atender as necessidades. “Acreditamos que cada um é o melhor gestor de sua vida e o governo tem de atuar nas áreas essenciais, como educação básica, saúde e segurança.”
Há um formulador por trás de todas as ideias econômicas de João Amoêdo, o economista Gustavo Franco (um dos “pais” do Plano Real), que se filiou ao partido no ano passado e passou a comandar a Fundação Novo, o think tank das ideias econômicas da sigla. Franco disse que teve no Novo a acolhida que não encontrava mais no PSDB, seja para desenvolver seus estudos e influenciar as decisões ligadas à economia, seja pela indignação com o fisiologismo demonstrado pelo tucanato no poder.
O pré-candidato do Novo à Presidência tem discurso sereno, tranquilo e dificilmente ergue o tom de voz. Gosta de convencer com bons argumentos e instigar o desafio. É um dos candidatos de “direita” que os eleitores brasileiros poderão escolher em outubro.
Flávio Rocha quer reformas para aliviar o peso do Estado
Empresário da rede varejista Riachuelo, Flávio Rocha filiou-se em março ao PRB do Rio Grande do Norte e foi oficializado como pré-candidato à Presidência da República. Fundador do movimento Brasil 200 (em alusão aos 200 anos de independência do país em 2022), Rocha já vem participando de eventos em que apresenta propostas para os próximos anos.
Ele esteve na semana passada em Goiânia, para lançar o Brasil 200, carro-chefe de sua pré-campanha, quando reafirmou seu ideário liberal, defendendo menor intervenção estatal na economia e reformas como a trabalhista e a da Previdência.
Segundo disse, o movimento foi fundado na crença de que as economias livres baseiam os países prósperos. Afirmou que o Brasil vem sofrendo um processo de queda de competitividade, porque o Estado, em vez de ajudar, atrapalha as forças produtivas. O objetivo final, afirmou, é juntar trabalhadores e empresários para reconquistar a competitividade perdida.
Ele prega a necessidade de abrir a economia nacional, porque o Brasil é um dos 30 países mais hostis ao investimento. E afirmou que é candidato a presidente, para ser o guardião da competitividade: “Porque podemos, com quatro reformas, devolver a capacidade de competir e atrair investimentos. Esse é o caminho para as conquistas sociais: a geração de empregos.”
Rocha elencou as quatro reformas que considera fundamentais: trabalhista, tributária, previdenciária e a do Estado. Disse que a reforma trabalhista, feita por Michel Temer, já está mostrando efeito. “As brigas entre capital e trabalho eram um triste recorde brasileiro. Isso caiu em alguns Estados mais de 75%.”
Considera a reforma tributária a mais importante para dar competitividade ao empresariado brasileiro. E a da Previdência, que o governo Temer vem tentando fazer sem sucesso, Flávio Rocha disse que não é preciso que abranja “os 32 milhões de simples mortais, mas sim 1 milhão de privilegiados que são responsáveis por três quartos do déficit”.
A quarta reforma, do Estado, o empresário coloca sua necessidade para tornar mais leve a máquina pública. “Hoje, do jeito que está, o Estado já custa quase a metade do esforço de produção nacional.”
Não é neófito
O empresário dono da Riachuelo tem se destacado no noticiário desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016 — as informações que seguem são de recente reportagem da revista “Exame”. Flávio Rocha tem se posicionado nos principais eventos da vida pública brasileira nas últimas décadas. Foi deputado federal duas vezes. No primeiro mandato, foi eleito deputado constituinte pelo PFL (atual DEM) e ajudou a redigir a Constituição. Durante o mandato migrou para o Partido Liberal (PL).
Depois da promulgação da Constituição, Rocha filiou-se ao PRN. Foi reeleito deputado em 1991 e depois voltou ao PL. Nessa época apresentou a proposta do Imposto Único, uma alíquota de 2% sobre todas as operações financeiras, a ser repartida entre credor e devedor.
Em 1994, Rocha tentou pela primeira vez ser presidente do Brasil. A campanha naufragou num confuso episódio de caixa 2 em seu comitê.O PL passou a apoiar Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, que venceu a eleição.
Depois de uma temporada nos Estados Unidos, Flávio Rocha assumiu o controle do grupo Guararapes, sem se afastar totalmente da política. Em sua gestão, a Riachuelo teve lucro recorde em meio à recessão econômica. Mas também se viu às voltas com denúncias de trabalho escravo.
Neste ano, Flávio Rocha passou a encabeçar o movimento de empresários Brasil 200 — alusão aos 200 anos de independência do país, que serão comemorados em 2022, quando termina o mandato do presidente que for eleito em 2018.
O manifesto do movimento prega o estado mínimo, a independência das empresas e a moralização dos costumes. Entre as 10 propostas do movimento, há desde o combate ao conceito de luta de classes, passando pela afirmação de que “empreendedores e colaboradores não são inimigos; eles cooperam pelo crescimento da nação” até a defesa do conservadorismo, da “escola sem partido e sem erotização precoce, respeitando o senso comum e as famílias”.
Como pré-candidato, Rocha já recebeu o apoio do Movimento Brasil Livre (MBL), grupo de renovação política que ganhou força durante os protestos pedindo o impeachment de Dilma Rousseff em 2015. Em março, filiou-se ao PRB, o braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, para tentar a Presidência da República.
Rocha se define como liberal na economia, reformista, privatista e conservador nos costumes. Afirma que sua candidatura busca preencher a “lacuna” que existe na política brasileira, ao tentar superar o que chamou de “ciclo” do agigantamento do Estado e da inversão de valores.
“Queremos representar um contraponto a tudo isso. Quero resgatar o protagonismo individual e representar um contraponto a esse período de inversão de valores, que levou a degradação das práticas políticas”, disse.