Lula, mais sabido que todos os outros petistas, quer criar uma ”frente política” para se livrar do estigma da sigla que praticamente virou sinônimo de corrupção

Lula a petista em Teresina: ”Tenham orgulho de ser petista” | Ricardo Stuckert/ Instituto Lula
Lula a petista em Teresina: ”Tenham orgulho de ser petista” | Ricardo Stuckert/ Instituto Lula

Na quarta-feira, 21, o ex-presidente Lula da Silva, em mais um ar­roubo, disse que gente que roubou não pode chamar petista de ladrão. O ex-metalúrgico referia-se ao fato de que no País inteiro está disseminada a ideia de que os petistas perpetram um governo corrupto. E as pessoas manifestam isso, seja em restaurantes e aviões, quando vaiam petistas.

É o caso de perguntar: quem não roubou, que são milhões e milhões de brasileiros, podem chamar petista de ladrão? Pela lógica lulista, sim. E sim, claro que sim, podemos chamar quem roubou de ladrão.

Veja que a fala de Lula, mais uma vez, foi a portas fechadas, para uma plateia petista em Teresina (PI), como tem sido nos últimos anos. “Queria pedir para vocês que os petistas voltem a ter orgulho do PT. Se alguém nosso errou, vai pagar, como qualquer cidadão. Mas o que não se pode admitir é que gente que a gente sabe que roubou a vida inteira venha a chamar o PT de ladrão. A gente não pode permitir.”

Já é a segunda ou terceira vez que Lula faz esse discurso buscando mexer com o brio dos petistas. Ser tachado de ladrão, quando tantos foram e são ladrões, principalmente aliados do PT, incomoda o líder petista.

“[Já] Chamei atenção da direção do partido para o processo de criminalização que estão fazendo ao PT. A ideia é estimular o ódio da mesma forma que os nazistas estimularam contra os judeus, e em tantos outros momentos históricos com os cristãos”, disse Lula, numa aula de história em que certamente se lembrou de um seu ídolo confesso, Adolf Hitler (numa entrevista à revista Playboy, em 1979).

Vivo e morto

As duas frases independentes que compõem o título deste texto, alinhadas em sequência, são aparentemente contraditórias. Uma desdiz o que a outra diz. Mas elas são apenas aparentemente contraditórias, porque são realidade. O PT morreu e não morreu.

Morreu o PT que propagava a ética e era a esperança de dezenas de milhões de brasileiros por uma política diferente. Pode-se dizer que este PT morreu no exato momento em que alcançou o poder e, a partir daí, muitos de seus integrantes o levaram a se tornar exatamente igual aos outros partidos.

Não custa lembrar que as denúncias de corrupção, de malversação do dinheiro público por parte do PT começaram já nas primeiras prefeituras que o partido conquistou pelo voto, nos idos dos anos 80. Nada diferente do que acontecia e acontece com as outras siglas.
Então, temos um PT, esse que era a esperança de boa parte de sua militância e de milhões de brasileiros, que está morto e acabado.

Em contrapartida, o PT igual aos outros partidos — aliás, ainda mais igual que os outros desde 1 de janeiro de 2003, quando Lula da Silva recebeu a faixa presidencial das mãos de Fernando Henrique Cardoso –, está vivo. Muito vivo, por sinal.

Quem diz que o PT morreu certamente se baseia na atual situação do partido, imerso na maior onda de corrupção de que se tem notícia na história do País. E pesquisas mostram que por conta dessa corrupção, que já levou para a cadeia alguns dos próceres do partido, como José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e João Vaccari, por exemplo, minou a credibilidade do PT.

Sem esquecer que a figura mais emblemática e presidente de honra do partido, Lula da Silva, todos sabem, está totalmente enredado em casos escabrosos de tráfico de influência e estranhos ganhos financeiros para si e para sua família. Lula se tornou um homem rico ao se tornar presidente. E continua enriquecendo depois de deixar o cargo.

Aliás, é questão de tempo para Lula ter de explicar à Justiça tanta riqueza, tanta facilidade para ganhar dinheiro, propriedades, etc. As evidências de irregularidades são tantas que não é possível que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal não cheguem até ele. Mais cedo ou mais tarde isso vai acontecer, independentemente de torcida contra ou a favor.

Se muitos petistas e aliados ficaram ricos pessoalmente nestes 13 anos, o próprio partido, sabe-se agora com as delações premiadas na investigação da operação Lava Jato, foi cevado em dinheiro proveniente do monumental esquema de corrupção na Petrobrás. Na espoliação da petroleira, o dinheiro desviado serviu para financiar campanhas de Lula e Dilma Rousseff, assim como de petistas que concorriam nos Estados, como os senadores Gleisi Hoffmam (RS), Lindbergh Farias (RJ) e Humberto Costa (PE), para lembrar três que tiveram os nomes citados na investigação.

Lula quer “esconder” a sigla
Rui Falcão: em trabalho pela “frente”
Rui Falcão: em trabalho pela “frente”

Na semana passada, o jornal “Valor Econômico” trouxe um material especial sobre o PT. É interessante as considerações que petistas e analistas independentes fazem sobre a sigla, a partir de sua situação atual, em meio à crise ética e moral.

O ponto de partida da matéria é se o PT vai de fato morrer a partir de 2016, se sofrer uma derrota fragorosa nos pleitos municipais. E, para evitar isso, a saída seria a criação de uma frente política. Vamos a algumas dessas considerações, reproduzindo trechos da reportagem, que nos ajudam a compreender um pouco mais esse fenômeno de um partido que ao mesmo tempo está vivo e morto.

Político mais radical da oposição tendem a dizer que sim, “O PT morreu”. Já líderes moderados — petistas ou não —, dizem que não é bem assim, mas avaliam que as eleições municipais de 2016 tendem a refletir a grave crise do partido, e relativizam que imaginar a morte anunciada do PT a partir de um resultado desfavorável das urnas é desconhecer a história e hostilizar a democracia.

O PT deve resistir. A dúvida crucial é sobre o projeto político que o partido representará e que relevância e tamanho terá. Que o PT vai sofrer não resta dúvida. E justamente por isso, Lula se movimenta para tirar a carga pesada demais que a sigla, tisnada pela corrupção, representa atualmente.

Álvaro Moisés: “Partido sem alma”
Álvaro Moisés: “Partido sem alma”

O ex-presidente e dirigentes petistas trabalham para ressuscitar a alma perdida do PT — aquela que era esperança de milhões de brasileiros — ao longo de seus anos de hegemonia e conectá-la ao que resta da esquerda brasileira. Já vem se falando na formação de uma frente política nos moldes da do Uruguai que possa diluir o desgaste do partido e preservar parte de seu poder eleitoral conquistado ao longo de três décadas e meia.

O que Lula quer, na verdade, é um PT sem a sigla PT. O problema para a organização dessa frente é o governo Dilma, uma figura totalmente desconectada do partido e cuja incompetência administrativa é flagrante. Petistas admitem que o governo Dilma, sim, acabou. E se ela não conseguir terminar o mandato, tudo fica mais difícil, claro. Para começar, os cargos no governo a serviço do PT minguariam, num evidente prejuízo financeiro e político.

Mas se a presidente conseguir finalizar o mandato, Lula aposta na organização da tal frente política sem o carimbo do PT. E aí, não necessariamente uma candidatura de Lula emergeria dessa suposta união popular de centro-esquerda em 2018. Mas proximamente, dificilmente essa somatória de forças pode ter algum protagonismo já em 2016.

Um problema na formação da frente é a desconexão com os chamados movimentos sociais. Aqueles tradicionais, como Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Central Única dos Tra­balhadores (CUT) e União Nacional dos Estudantes (UNE) são naturalmente petistas e estão devidamente cooptados com farto dinheiro público. Mas outros movimentos, incluindo novos que cada vez mais ganham visibilidade, não querem nem ouvir falar em PT.
Mesmo organizações mais radicais, aparentemente vinculadas ao partido, refugam-no. É o caso do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Esse grupo já se posicionou contra o impedimento de Dilma Rousseff, mas não quer saber da presidente nem do PT. Grupos de jovens próximos ao PSol vão na mesma direção.

No seu 5º Congresso Nacional, em Salvador, em julho, o PT já dava os primeiros passos para a articulação de uma frente popular. A ”Carta de Salvador”, documento oficial do encontro, dedicou 10 de seus 80 itens a discutir o conceito da frente. “O programa de reformas estruturais pressupõe a construção de frente democrática e popular, de partidos e movimentos sociais, do mundo da cultura e do trabalho, baseada na identidade com as mudanças propostas para o período histórico em curso”, diz o documento.

Lula mandou uma tropa de choque para articular essa nova frente. Gente como o presidente do partido, Rui Falcão, que busca mobilizar os movimentos sociais, e o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia.

Deterioração

“Numa resposta sintética e curta, a economia e os escândalos de corrupção em curso e aparentemente intermináveis são as principais razões para explicar a gradual deterioração do PT”, afirmou ao “Valor” o cientista político David Samuels, professor da Universidade de Minnesota (EUA) e autor de estudos acadêmicos sobre o partido brasileiro.

Segundo Samuels, o governo Dilma pode ser considerado apenas “parcialmente” culpado pela crise atual do partido. “Os problemas do PT são muito mais profundos do que a inabilidade de administração da presidente Dilma para manter um nível decente de apoio político.” Se publicamente o PT tem sérias dificuldades de admitir equívocos, nos bastidores os petistas da cúpula do governo fazem projeções bastante realistas da crise.

Em off fica mais fácil: “O PT perdeu o debate, perdeu a capacidade de reagir e vai perder as disputas eleitorais. O partido vai ter que apostar no tempo para recuperar sua imagem. Vai ter que disputar eleições em uma frente eleitoral, se possível, e ir tocando a vida. Vai ter que ceder aos aliados para não desaparecer. E Lula agora precisa salvar o governo”, diagnosticou um dirigente.

Um retorno político de Lula em 2018 poderia ser a saída mais plausível para a crise do PT? Samuels diz não saber se Lula pode ser a salvação para o PT, mas considera que o ex-presidente ainda continua sendo o mais forte ativo eleitoral do partido. Ele credita a sobrevivência do PT ao nosso sistema político-partidário montado de forma a preservar as legendas mais antigas.

Mas o acadêmico não tem dúvida de que o partido de Lula terá refazer um caminho, se quiser recapturar o apoio que um dia já obteve, pois o caminho feito até aqui falhou completamente. “Perdeu-se a fé de que o PT pode governar com sucesso e honestamente.”

Ex-petista e também cientista político José Álvaro Moisés vê o PT como um partido ”desalmado”. “Em sua trajetória recente, o PT perdeu sua alma. Agora, para se reapresentar à opinião pública, teria que passar em revista todo o seu processo. Moisés, um quadro da USP, foi um dos fundadores do PT, e acusa o partido, do qual se distanciou já no fim da década de 80, de não ter clareza sobre o que é a visão de socialismo e de democracia que encampa. ”O que é o PT? É de esquerda? É social-democrata? Como quer conduzir o Brasil? Como procederá em relação a seus aliados?”, cobrando uma redefinição ideológica e programática do partido.

Moisés diz que o fato de o PT se ancorar apenas em Lula, é aspecto flagrante de que os rumos do partido “não batem com o figurino democrático”. Ele demonstra ceticismo sobre as intenções do ex-presidente de incentivar a formação de uma frente democrática e popular. “Se o trem já passou, pode ser tarde demais. Se Lula realmente quisesse transformar o PT, já não teria feito isso?”