Em 2020, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB), em sua delação premiada, descreveu um esquema de pagamento de propina a ministros das altas cortes do país operado por escritórios de advocacia de seus parentes. O acordo de delação premiada de Sérgio Cabral foi rejeitado

Entre outros casos narrados pelo ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral em sua delação premiada em 2020, há o do empresário carioca Orlando Diniz, que foi presidente da Fecomercio do estado do Rio. Orlando Diniz fora afastado do cargo após acusação de fazer desvios de recursos do Sistema S, mas na ocasião estava tentando retornar ao comando da Fecomercio e, para isso, precisava de uma liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Sérgio Cabral conta que Orlando Diniz então resolveu contratar o advogado Eduardo Martins em vários processos, cujos honorários somavam pelo menos R$ 40 milhões. Quem era o jovem advogado Eduardo Martins? O filho de Humberto Martins, ministro do STJ que na ocasião era o presidente da corte. A suspeita instaurada foi a de que Eduardo Martins poderia fazer tráfico de influência no tribunal presidido pelo pai. 

O pedido de liminar para Orlando Diniz presidir a Fecomércio caiu com o ministro Napoleão Nunes Maia, que também tem um filho – Mário Nunes Maia. Este desejava ser membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e concedeu a liminar para reconduzir Orlando Diniz ao comando da Fecomércio. Mário Nunes Maia foi aprovado como conselheiro do CNJ após o pai conceder liminar que favoreceu o cliente do filho do presidente do STJ. 

Sérgio Cabral ainda disse em sua delação que sugeriu a Orlando Diniz contratar também um outro jovem advogado chamado Tiago Cedraz, para fazer o mesmo suposto tráfico de influência, mas desta vez no Tribunal de Contas da União (TCU). Nessa corte, Tiago Cedraz tinha um pai ministro, Aroldo Cedraz.

É importante destacar que as delações de Sérgio Cabral foram rejeitadas. O ministro Dias Toffoli foi citado por Cabral, que o acusou de receber propina para atender pleitos de prefeitos de cidades do Rio de Janeiro junto ao Tribunal Superior Eleitoral, e votou a favor da rejeição da delação. Portanto, talvez, todo trâmite processual tenha sido perfeitamente regular. Mas não parece perfeitamente regular. 

Isso tudo foi narrado às autoridades em 2020, quando vigia a determinação que impedia juízes de todas as instâncias de julgar casos em que uma das partes é defendida por parentes desses mesmos juízes. Em 22 de agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por sete votos a quatro declarar inconstitucional esse impedimento, e agora não é mais necessário o esforço de disfarçar por triangulações a contratação dos parentes de juízes. Se acontecesse hoje, a situação descrita por Cabral teria sido muito mais simples e menos constrangida. 

Apenas no STF, cinco dos 11 ministros têm parentes sócios de escritórios de advocacia (Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes). No dia 23, esses ministros julgaram um caso em que eles próprios deveriam ter se declarado suspeitos para julgar, pois são eles que têm parentes na advocacia e vão ser beneficiados pela mudança da decisão. Mas não o fizeram e, agora, quem enfrentar seus parentes nas cortes terá de confiar na honestidade da mulher de César, apesar de sua aparência de desonestidade.