Mauro Cid tenta cavar uma Vaza Jato para chamar de sua
22 março 2024 às 16h56
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A revista Veja publicou na última semana áudios do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). No material, Mauro Cid afirma que foi coagido por integrantes da Polícia Federal (PF) durante seus depoimentos no âmbito do inquérito que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado no Brasil. O episódio, que põe em cheque a validade da delação, pode fazer com que seu depoimento à PF seja descartado.
Segundo o jornal O Globo, pelo menos três advogados que representam alvos das investigações sobre a trama de golpe de Estado confirmaram que vão usar as gravações em suas estratégias de defesa. A ideia é alegar “vício de voluntariedade”; ou seja, dizer que a PF usou Cid para forjar incriminações contra seu melhor juízo.
Se a perspectiva é boa para Bolsonaro e demais denunciados pelo tenente-coronel, é ruim para o próprio Mauro Cid. Na sexta-feira, 22, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão de Cid por “descumprimento das medidas cautelares e por obstrução à Justiça”. Pode ficar ainda pior: se o acordo de delação premiada for considerado inválido, Cid ficará preso definitivamente. A defesa de Mauro Cid diminui a importância dos áudios, alegando que são apenas desabafos pessoais de uma pessoa sob pressão, mas que não reduzem a validade do acordo.
O diretor da PF, Andrei Rodrigues, afirmou ao jornal Metrópoles que as declarações de Cid são “graves acusações” e afirmou que a PF acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para que elas sejam esclarecidas. Nos áudios, Cid sugere ter sido pressionado pela corporação a confirmar uma “narrativa pronta”, diz que os policiais tiram suas declarações de contexto e que omitem parte de suas falas nos relatórios — enfim, que editam seu depoimento. .
Politicamente, a impressão que fica é que Mauro Cid tenta cavar uma Vaza Jato para chamar de sua. Com o descrédito da catastrófica operação Lava Jato, o caminho parece dado. Entretanto, se há provas de sobra contra Moro e Dallagnol, por enquanto as alegações de Cid se parecem com um ataque fácil às instituições policiais.
Ainda há de se apurar: se as acusações forem verdadeiras, o acordo de delação acaba o tenente-coronel e volta pra cadeia. Diante dessa aparente desvantagem para o próprio Mauro Cid, temos de nos questionar: qual sua intenção? Bolsonaro já capitaliza discrepância entre o que Cid fala e o que está no papel. Fábio Wajngarten, advogado do ex-presidente, defende a queda do sigilo dos depoimentos.
Isso significa uma estratégia consciente para defender aqueles que Cid delatou? Não necessariamente. Nós que, no Brasil, aprendemos a desconfiar da legitimidade de investigações, podemos atribuir às falas do tenente-coronel uma intencionalidade que não existe. Talvez, sua intenção fosse apenas limpar sua honra. “Não estou delatando porque gosto; não tenho alternativas; eles já têm uma versão pronta sobre a qual não posso fazer nada; etc.”
Os próprios ministros do Supremo estimulam essa desconfiança quanto às investigações da PF. Dias Toffoli empregou a expressão “pau de arara do século 21” para qualificar suposta tortura pela qual passou o diretor da Odebrecht em seu acordo de leniência. Entretanto, há filmagens da delação de Marcelo Odebrecht e ele não parece estar sendo torturado — pelo contrário, aparece sorrindo em diversas ocasiões.
O revisionismo histórico de Toffoli “cola” porque é conveniente para o momento político. Mauro Cid terá muita dificuldade para emplacar sua anti-Lava Jato pessoal sem que haja momento político adequado. Em um eventual futuro governo bolsonarista, um ministro cumprindo papel paralelo ao de Toffoli, pode ouvir Mauro Cid com mais boa fé do que é conveniente fazer hoje — e essa relativa desconfiança da Justiça é a maior chaga deixada pelo desastre da operação Lava Jato.
Por último, é fundamental lembrar que o modus operandi de Mauro Cid é idêntico ao de Bolsonaro. O ex-presidente passou quatro anos afirmar coisas bombásticas apenas para, logo em seguida, voltar atrás. Dizer e desdizer, e neste processo corroer a confiança nas instituições. Afirmar que a PF manipula, menosprezar a própria afirmação, e deixar nesta confusão a impressão de que algo importante foi estabelecido.
No final das contas, esta é a explicação mais provável para o comportamento de Mauro Cid. Não se trata de um ardil cuidadosamente tramado, uma maquinação deliberada. Trata-se de dizer algo que, na prática, nada muda; mas que deixa a mensagem de possível corrupção das instituições.