Jair e seus três filhos

17 fevereiro 2019 às 00h00

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Descontrole de Carlos causa primeira grande crise interna do Governo, derruba ministro e escancara a falta de limites entre o público e o privado no clã Bolsonaro

Conta-nos o Antigo Testamento que Eli, sacerdote em Silo por volta do ano 1.100 Antes de Cristo (ou ano 3.000 no calendário hebraico) tinha dois filhos: Hofni e Fineias. Conforme a tradição hebraica, ambos tinham suas obrigações diante do templo, como zelar pelos ritos cerimoniais e pelas ofertas do povo. Contudo, costumavam comer os melhores cortes dos animais sacrificados, o que era vedado, além de deitarem com várias mulheres.
Tal comportamento não passou despercebido ao Todo Poderoso. Por causa dos pecados dos filhos de Eli, os israelenses foram derrotados pelos filisteus. Pior, a Arca da Aliança, objeto mais sagrado para eles, caiu nas mãos dos inimigos. Hofni e Fineias morreram. Eli, que foi quem criou o profeta Samuel, morreu amargurado, quando beirava os 100 anos.
A história de Eli mostra que há milênios homens poderosos têm dor de cabeça por causa de filhos pouco afeitos aos limites e liturgias dos cargos que os pais ocupam. Mais ou menos 3 mil anos depois do sacerdote, é a vez do presidente Jair Bolsonaro ter as suas próprias dores de cabeça. Seus três filhos, Flávio, Eduardo e Carlos, são prodígios de problemas.
A confusão da semana começou com um nada ingênuo post do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) chamando o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, de “mentiroso”. Metido em denúncias sobre a existência de um laranjal nas campanhas do PSL, Bebianno disse que havia conversado com o presidente – note, ele nunca falou que o assunto da suposta conversa era a denúncia –. Foi o bastante para Carlos acionar o Twitter para desmentir o ministro.
Para agravar a situação, o próprio Jair Bolsonaro compartilhou o post do filho, tornando a permanência de Bebianno no governo insustentável. A atitude de Carlos, corroborada pelo pai, escancarou mais uma vez a novilíngua desse governo, baseada na lacração das redes sociais.
Ocorre que os dedos nervosos dos “garotos” do presidente são como o Efeito Borboleta e podem causar tempestades desastrosas. Ao chamar um ministro de mentiroso nas redes sociais e ser referendado pelo pai, Carlos Bolsonaro detonou uma crise que culminou na queda de um ministro.
“Coisa de louco”
A situação torna-se inacreditável a ponto de a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) parecer ponderada. “Filho de presidente não pode escrever mensagem para criar crise no governo. Quem tem de falar com ministro é o presidente”, disse, ao jornal O Globo, para logo em seguida classificar a atitude de Carlos Bolsonaro como “coisa de louco”, “imaturidade” e “meninice”.
Não foi o primeiro puxão de orelhas público que Joice aplica em um Bolsonaro. No final do ano passado, em conversas de WhatsApp vazadas à imprensa, a deputada também criticou a infantilidade de Eduardo Bolsonaro nas redes sociais. Ele, por sua vez, a chamou de louca e sonsa. Eduardo foi aquele que, em vídeo viralizado nas redes, disse que para fechar o STF bastariam um soldado e um cabo.
Parece ironia, mas, até agora, a caçula Laura, a filha de 8 anos que Bolsonaro teve em um “momento de fraqueza”, foi a única a não dar trabalho para o pai.
A família Bolsonaro faz lembrar do antropólogo pop Roberto da Matta, um cronista da mistura do público e privado no Brasil. O clã leva para a arena pública aquilo que lhe incomoda no particular e não tem pudor em lavar a roupa suja em público nem de escancarar suas opiniões sobre o governo nas redes sociais.
Nas palavras de Da Matta, “na rua a vergonha e a desordem não é mais nossa, mas do Estado”.