Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o Ministério do Meio Ambiente (MMA) se fechou contra todas as discussões sobre preservação e sustentabilidade. Estados, entidades do terceiro setor e organizações internacionais tiveram de negociar políticas públicas ambientais com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa); os órgãos de fiscalização foram desmontados; aqueles que cobraram proteção à biodiversidade foram classificados como inimigos da atividade econômica. 

Por isso, em 2023, quando Lula da Silva (PT) assumiu a presidência da República com um discurso ambiental moderno, houve a esperança de que o país se tornasse o protagonista do debate climático. O combate às mudanças climáticas talvez seja pauta mais central da geopolítica contemporânea e o Brasil tem vocação natural para mediar acordos na área. Se a promessa tivesse se cumprido, o país ganharia enorme influência internacional. 

Uma vez eleito, o governo Lula continuou a se apresentando como candidato da sustentabilidade, disposto a apresentar ao mundo um modelo de crescimento econômico aliado à preservação ao assinar compromisso com metas ambientais cada vez mais duras. Entretanto, a implementação dessas ideias tem sido fracassada na melhor das hipóteses — e, na pior das hipóteses, a execução das políticas prometidas tem sido internamente sabotada. 

O Jornal Opção ouviu Andréa Vulcanis, secretária de estado de meio ambiente em Goiás, que afirmou categoricamente: “Vamos colocar as coisas como elas são: viemos de um governo Bolsonaro que era completamente negacionista da pauta ambiental, provocou um desmonte das políticas públicas e órgãos de fiscalização. Isso é fato. Quando ingressou o novo governo Lula, por conta dos quatro anos anteriores, houve uma ansiedade do MMA de comandar essas políticas goela abaixo, sem comunicar aos estados, que no final das contas são os entes que implementam as políticas.”

Não são apenas autoridades do Estado que demonstram essa impressão. Rafael Loyola, diretor executivo do International Institute for Sustainability (IIS) afirmou ao Jornal Opção: “Falta ação coordenada. Acredito que o Brasil precisa fazer com que as leis conversem entre si. O Código Florestal, por exemplo, é a base para uma série de outras políticas públicas, como o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg). Mas metade da vegetação nativa do país está em propriedade privada, que é regulada por outras leis. As queimadas legais acontecem dentro de propriedades privadas, onde a aplicação do plano de adaptação às mudanças climáticas tem limitações.”

Até aqui, poderíamos atribuir a descoordenação à imperícia em negociar com os estados a implementação das políticas que foram acordadas internacionalmente. Afinal, na Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 28, em Dubai, o Governo Federal decidiu metas restritivas para os estados cumprirem sem consultá-los. Entretanto, neste esfumaçado mês de setembro, com a pressão das queimadas, diversas ações do MMA expõem que o governo federal jamais esteve realmente interessado em tirar a sustentabilidade do papel. 

Na última semana, os ministros Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária) e Mauro Vieira (Relações Exteriores) pediram à União Europeia (UE) o adiamento da norma que exige commodities livres de desmatamento. O Observatório do Clima enviou, no dia 16, à presidente da Comissão Europeia, Ursula Van der Leyen, uma nota de resposta ao comunicado dos ministros. Na nota, a rede de organizações brasileiras diz que a carta dos ministros “sabota a liderança climática do Brasil”.

Mesmo antes disso, o Brasil já se comportava de forma dupla: o país considerou aceitar o convite da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados (Opep+) para se tornar um membro aliado, e só recuou após pressão pública. O Brasil busca explorar petróleo na Foz do Amazonas via Petrobras, mesmo com parecer contrário do Ibama após pedido de estudo da Advocacia-Geral da União (AGU), e o mero pedido de estudo foi contestado pela Petrobras. 

O governo foi formalmente oficiado pelo MMA sobre o risco extraordinário de incêndios desde fevereiro deste ano e, em março, o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou a União elaborar um plano de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia. Os comunicados foram expostos no Estadão pelo repórter Daniel Weterman, e revelam que a seca em 58% do país provocada pelo El Niño e o acúmulo de material combustível nos últimos dois anos não receberam a devida atenção. 

Ainda no Estadão, Carlos Andreazza chama atenção para o fato de que o desinteresse pela pauta ambiental é percebido em números. No orçamento de 2024, as emendas parlamentares para a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável somaram o valor de R$ 100 mil. Para comparação, a Comissão de Desenvolvimento Regional (responsável pela Codevasf) tem R$ 2,5 bilhões. Apesar de emendas serem destinadas pelo Legislativo, a dotação orçamentária inicial para meio ambiente era de R$ 550 mil em agosto de 2023; mas 80% do valor foi vetado pelo Executivo de Lula da Silva. Desde 2019, apenas 0,02% das emendas foram destinadas à prevenção de incêndios, em orçamentos que foram construídos conjuntamente entre Congresso Nacional e governo federal. 

Caminho possível

O governo federal erra em seu discurso, ao reforçar a vilania dos detentores dos recursos naturais, quando, na realidade, é da colaboração deles que o sucesso das políticas públicas depende. Andréa Vulcanis oferece uma saída possível: “Em Goiás, compreendemos que não adianta atacar quem usa o recurso natural — das indústrias ao agro. Classificar esses proprietários como criminosos, que têm de ser multados, embargados, apenas os afasta da pauta ambiental. São eles que têm as terras, as APPs, as reservas.”

Vulcanis conclui: “O essencial é oferecer um caminho para que os produtores e proprietários rurais cumpram a legislação ambiental. O que fazemos em Goiás é sentar e conversar com o setor produtivo, e percebemos que isso tem efeitos muito positivos, afinal, essas pessoas querem estar regularizadas para poder atuar. Dialogar com a mineração, indústria e agro é uma forma de acordar as políticas públicas com quem precisa cumpri-las.”

Essa é uma política eficaz. Os dados de imagens por satélite compilados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, neste setembro, Goiás teve 4% dos focos de incêndio ativos no país. O Mato Grosso teve 24%; o Pará, 22%; o Tocantins, 8,3%; Amazonas, 8%; Minas Gerias, 59%; Maranhão, 5%; Acre, 4,5%. Entretanto, boa parte dos incêndios no estado ocorrem em parques federais, como o da Chapada dos Veadeiros, que perdeu 10 mil hectares pelas queimadas neste setembro. Nos parques estaduais, a redução foi de 80% em relação a 2019. Além disso, o desmatamento ilegal no estado caiu 59% no primeiro semestre de 2024.

O discurso de sustentabilidade versus produção econômica penetrou tão profundamente na sociedade que a mera ideia de colaborar pela preservação com proprietários, agro e indústrias é repudiada. A má vontade não é gratuita: de fato, o fogo tem a função de estimular a rebrota do pasto e de abrir vegetação nativa em terras públicas para que grileiros assentem novas propriedades. Porém, dada a situação — qual é a alternativa?

Se o poder e a opinião pública empurrarem todos os produtores para a ilegalidade, não fará diferença cumprir ou descumprir a legislação ambiental. É preciso oferecer um caminho para que o Código Florestal seja cumprido, e assim conseguir isolar e punir quem comete crime ambiental. Mas essa trabalhosa colaboração depende de uma liderança que esteja disposta a se sentar à mesa com todos (incluindo supostos inimigos) e alinhar a prática interna do país ao discurso externo.