Está nas mãos do presidente Jair Bolsonaro a proposta que destina R$ 2 bilhões para as campanhas. Além disso, fundo partidário tem mais R$ 1 bilhão

Para surpresa de ninguém, o Congresso Nacional preparou para este ano mais um ataque ao dinheiro do contribuinte: nada menos que R$ 3 bilhões serão destinados para bancar as despesas dos partidos políticos, inclusive suas campanhas nas eleições de 2020. O valor é a soma de duas bondades com o chapéu – ou o bolso – alheio, o fundo eleitoral e o fundo partidário. Tudo devidamente bancado com recursos públicos e estritamente dentro da lei – que os próprios políticos aprovam.

O fundo partidário foi criado em 1965, um ano após do golpe civil-militar que depôs João Goulart, com o pomposo nome de Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – parece até nome de programa social. Foi sancionado pelo presidente Castello Branco como parte do Código Eleitoral. Para 2020, o orçamento é de R$ 1 bilhão.

O fundo eleitoral também tem nome bonito: Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Criado após o Supremo Tribunal Federal (STF), que nos últimos anos decidiu assumir parte da função do Poder Legislativo, abolir o financiamento privado de campanha, em 2015, o fundo terá R$ 2 bilhões para as eleições deste ano, a não ser que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decida vetá-lo, coisa improvável.

Para chegar a esse valor, os congressistas haviam aprovado, anteriormente, um fundo eleitoral de R$ 3,7 bilhões. Foi a estratégia de colocar o bode na sala. Ao fechar em R$ 2 bi, eles pareceram estar abrindo mão de um rio de dinheiro em benefício da nação. Mas só acredita nessa benevolência quem quer.

Bolsonaro mudou de ideia

O próprio Bolsonaro deixou claro, a sua maneira peculiar, o tamanho dessa excrescência. “O PT vai ganhar R$ 200 milhões para fazer campanha no ano que vem. Aquele pessoal do PSL lá, que mudou de lado, também vai pegar R$ 200 milhões. Se quer fazer material de campanha caro, não vou ajudar esse cara, pronto”, disse, em uma das suas aparições em frente ao cercadinho montado na entrada do Palácio da Alvorada.

De acordo com a bancada de cada legenda, PT (R$ 194,9 milhões), PSL (R$ 189,3 milhões), MDB (R$ 153,4 milhões), PSD (R$ 145 milhões), PP (137,5 milhões) e PSDB (134,2 milhões) são as que mais vão receber de fundo eleitoral. Mas mesmo siglas pequenas, que não conseguiram atingir a cláusula de desempenho (1,5% dos votos válidos para deputado federal, distribuídos em pelo menos 9 Estados e com, ao menos, 1% em cada um deles) terão seu pedaço nesse bolo. A Rede, por exemplo, receberá R$ 20 milhões. O PCO, R$ 1,3 milhão e o PSTU, R$ 1,5 milhão.

Infelizmente, o presidente aparentemente mudou de ideia. Tem tido que, se vetar a proposta, pode sofrer processo por crime de responsabilidade, o que poderia culminar em impeachment. Não é bem assim. Nenhum analista vê qualquer possibilidade de isso ocorrer. O que existe, na verdade, é um acordo entre as partes (Palácio do Planalto e Congresso).

Para se ter uma ideia do tamanho do estrago, basta lembrar que o orçamento para o programa Médicos pelo Brasil para 2020 é de R$ 3,5 bilhões, pouco mais que o dinheiro destinado aos partidos político no ano. Ainda assim, para ter todo esse recurso, o Médicos pelo Brasil precisa da aprovação de crédito suplementar de R$ 1 bilhão.

O programa, criado para substituir o Mais Médicos, prevê a contratação de 18 mil profissionais. Mais da metade (55%) para o Norte e Nordeste e, dentro dessas regiões, áreas remotas que não contam atualmente com atendimento básico. O valor reservado para dar assistência a 24 milhões de brasileiros é praticamente o mesmo do que será destinado para as legendas partidárias. Alguma coisa está errada nisso.

Jabuticaba

O fundo eleitoral é o tipo de intenção que lota o inferno. Foi criado com a intenção de substituir o financiamento privado, mãe de todas as corrupções no Brasil desde sempre. E também não é uma jabuticaba, ele existe em boa parte dos países, inclusive grandes democracias ocidentais, como a Alemanha e a França.

O que ocorre no Brasil é que ele torna-se a principal fonte de receita dos partidos políticos. Aqui, não há a tradição de contribuição de simpatizantes e filiados na proporção dos gastos dessas organizações, especialmente em anos eleitorais, quando rios de dinheiro são despejados em campanhas caríssimas. Também não existe qualquer garantia de que entes privados tenham abandonado a prática de caixa 2.

É preciso criar mecanismos de controle de gastos, seja limitando o valor de cada campanha, seja mudando o sistema eleitoral (com a adoção dos distritos, por exemplo, que desobrigam candidatos, especialmente os proporcionais, a percorrerem milhares de quilômetros atrás do voto). O que não pode é o suado dinheirinho do trabalhador brasileiro bancar os projetos políticos de determinadas figuras que deviam estar atrás das grades e não nos plenários de Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e no Congresso.