Apenas 58 mil goianienses votaram na escolha de 30 conselheiros tutelares, em uma disputa dominada por grupos políticos e religiosos

Na primeira semana de outubro, o eleitor foi às urnas para escolher os 60 conselheiros tutelares (30 titulares, 30 suplentes) que atuarão nas seis regiões de Goiânia – ou, ao menos, deveria ter ido: na verdade, dos mais de 950 mil eleitores na capital, pouco mais de 58 mil compareceram, pois a eleição não é obrigatória. Mais que o resultado, o absenteísmo revela a negligência com as questões realmente importantes da cidade.

O conselheiro tutelar é, em resumo, um agente político que deve zelar pela aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em um município. Ele pode ser procurado pela população quando falta vaga em escola, quando o atendimento do posto de saúde não está a contento, quando existem casos de abuso sexual ou físico contra os jovens com menos de 18 anos de idade. Quem vota em um conselheiro, na verdade está votando na defesa do ECA.

Portanto, trata-se de uma função importante, mas desconhecida da maior parte da população. Com esse distanciamento do eleitor, cumpre-se a máxima de que quem não gosta de política acaba sendo governador por quem gosta.

Por isso, a movimentação em torno da eleição para os conselhos tutelares se resumiu a políticos com mandato e grupos organizados, como igrejas. Em uma delas, presenciei pessoalmente o pastor pedindo voto para determinada candidata, muda ao lado dele, que explicava: “A legislação não permite que fulana peça voto”.

Políticos

Também foi intensa a dedicação de políticos com mandato em torno de seus aliados políticos que concorriam a uma das vagas. As redes sociais estão cheias de deputados e vereadores, de todos os espectros político-ideológicos, pedindo voto para seus indicados – nada ilegal, faz parte do jogo.

Assim, a eleição para o conselho tutelar se assemelha muito às reuniões de condomínio: como a maioria dos moradores não comparece, aqueles que se organizam e participam decidem por todos. Depois não adianta reclamar quando chega determinado rateio no boleto da taxa mensal.

Esse ano, a campanha teve algumas características diferentes. Políticos da chamada ala progressista entraram com muita força para diminuir a influência de grupos religiosos, tradicionalmente muito interessados na disputa. Esses, por sua vez, reproduziram o clima de disputa entre católicos e evangélicos.

O resultado em Goiânia mostra a força desses grupos. Ao menos quatro dos eleitos usaram nomes que remetem imediatamente a denominações religiosas. A maior parte dos vitoriosos é formada por reeleitos. Muitos são ligados a vereadores e deputados.

O que motiva, então, determinados segmentos a duelar na escolha dos conselheiros tutelares, alguns com campanhas dignas da disputa por cargos para a Câmara Municipal e a Assembleia Legislativa?

Bem intencionados

Antes de mais nada, é preciso entender que há, sim, pessoas bem intencionadas e comprometidas com o bem-estar de crianças e adolescentes e com o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Alguns dos conselheiros reeleitos prestam um trabalho digno há anos em Goiânia. Não é raro que denúncias ou cobranças feitas por eles tenham resultado positivo na aplicação das políticas públicas para esse público.

Contudo, assim como deve ser em relação a qualquer cargo eletivo, do vereador ao presidente da República, é importante observar algumas coisas com um pouco de ceticismo. Há denominações religiosas que acreditam sinceramente que podem contribuir para melhorar a vida dos jovens, especialmente a dos mais carentes; há, contudo, aquelas que usam os conselhos para proselitismo. Existem políticos que veem nos conselhos importantes ferramentas para a educação, saúde e segurança das crianças e adolescentes; mas há aqueles que têm no conselheiro tutelar um forte cabo eleitoral. Por fim, muitos conselheiros estão imbuídos do melhor espírito público, mas há outros que estão mais interessados no salário de mais de R$ 4,6 mil e em servir suas igrejas e partidos políticos.

A única forma de evitar que grupos com interesses inconfessáveis dominem os Conselhos Tutelares é a população participar mais ativamente das escolhas. Se, nas eleições gerais, cujo envolvimento e comparecimento do eleitor são muito maiores – especialmente por causa do voto obrigatório –, a depuração dos candidatos não tem sido lá muito satisfatória, que dirá uma eleição que passa despercebida para a grande maioria das pessoas.

Em um trecho d’A República, Trasímaco, Glauco e Sócrates travam um diálogo. A certa altura, Sócrates diz: “O maior castigo consiste em ser governado por alguém ainda pior que nós, quando não queremos ser nós a governar”.

É isso.