Desinteligente, Goiânia ignora o novo e permanece no século 20
23 junho 2019 às 00h00
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Passou da hora de a capital goiana ter gestores, para usar um termo da moda, disruptivos. Só assim para ela se transformar em uma cidade inteligente

Em 1976, Antônio Carlos Belchior (o compositor cujas letras cortam feito facas) gritou em nome da juventude brasileira, oprimida em pleno vigor do Ato Institucional número 5 (AI-5). Em “Como nossos pais”, o cearense de Sobral lamentava por aqueles que amavam o passado, sem perceber que o novo sempre virá. Mais de 40 anos depois, o novo ainda espanta, mesmo em um tempo de transformações velozes como a luz.
A evolução da inteligência artificial, a internet das coisas, o Big Data, tudo isso está entranhado no cotidiano das pessoas. As cidades, como organismos vivos, não são diferentes. As novas tecnologias podem impactar positivamente na mobilidade, urbanização, sustentabilidade e demais aspectos da polis.
Contudo, o apego ao passado (ou a incapacidade de compreender que o futuro sempre vem) represa os avanços (palavra usada, aqui, não no sentido de melhoria, mas com a conotação de seguir adiante). Fiquemos em dois exemplos prosaicos: as patinetes elétricas e o Uber, ambos, curiosamente, ligados à mobilidade urbana.
Recém-chegadas a Goiânia, as patinetes logo caíram no gosto das pessoas, especialmente as mais jovens. Nas ruas dos bairros considerados nobres (como os setores Bueno, Marista e Oeste), em pouco tempo elas tomaram conta das ruas e das calçadas. Logo, a consequência previsível: usuários começaram a se acidentar e pedestres foram atropelados.
Regulação
Imediatamente as autoridades, assim como em todo o Brasil, gritaram por regulação – palavra bem ao gosto dos burocratas. É claro que alguma atitude teria de ser tomada para se evitar acidentes, mas o reflexo da reação desproporcional já pode ser observada: a empresa que explora o serviço começa, aos poucos e silenciosamente, substituir as patinetes por bicicletas.
Em momento algum se pensou em retomar o projeto das ciclovias, por exemplo, que poderiam ser compartilhadas por ciclistas e usuários de patinetes. Não se imaginou uma solução que não sufocasse a iniciativa. Mais uma vez, o remédio pode matar o doente.
Quando chegou a Goiânia, o Uber sofreu ataque semelhante. Imediatamente a Câmara dos Vereadores e a Prefeitura se mobilizaram para regular o serviço. Muito debate foi feito, algumas propostas que inviabilizariam a solução foram feitas e não prosperaram e, pouco mais de três anos depois, a inovação venceu e concorrentes chegaram ao mercado goiano.
Uber e patinetes, definitivamente, não são soluções para a mobilidade urbana. Ao contrário, em grande medida, causam impacto negativo no trânsito das cidades, especialmente os aplicativos de transporte. Só o Uber coloca 600 mil carros a mais nas ruas, atendendo a aproximadamente 22 milhões de usuários.
Porém, eles atenderam a uma necessidade e apresentaram soluções mais interessantes para as pessoas que os meios tradicionais de transporte, como os táxis e ônibus do transporte coletivo. Em resumo: o Uber e as patinetes foram inteligentes. E são cidades inteligentes o que nos falta.
Smart cities
O conceito de smart cities é relativamente recente. De acordo com o IESE Cities in Motion Index, uma cidade inteligente tem de se destacar em nove dimensões, que passam do capital humano à mobilidade e transporte, passando pela coesão social, planejamento urbano e outros critérios. No último ranking, divulgado pela revista Forbes, as cidades brasileiras fazem feio. A melhor colocada, São Paulo, ocupa apenas a 116ª posição. A líder mundial é Nova Iorque, seguida de Londres – veja bem, são megalópoles que enfrentam todo tipo de consequência do tamanho que têm, mas que encontraram, ao longo do tempo, soluções para melhorar a qualidade de vida de todos.
O acesso aos serviços públicos é um exemplo como Goiânia não consegue ser inteligente. Os órgãos públicos, tanto da Prefeitura da capital quanto do Estado, ainda se ancoram no modelo do Vapt Vupt, que foi uma revolução há 20 anos – e não é mais. Um exemplo de como as coisas poderiam ser diferentes vem da pequena Estônia. Lá, apenas três serviços exigem a presença física do cidadão: casamento, divórcio e transferência de imóvel. Este último ponto já está com os dias contados.
Nem onda verde funciona
Outra iniciativa inspiradora vem de Cingapura, cidade-estado do Sudoeste da Ásia. Lá, o trânsito é monitorado por meio de uma complexa rede que inclui o GPS dos carros, câmeras e sensores espalhados pelas ruas. O sistema é capaz de prever a formação de um congestionamento e o departamento de trânsito, então, atua na mudança do tempo dos semáforos e sugere desvios por meio de painéis eletrônicos. Na capital goiana, nem mesmo a onda verde funciona adequadamente.
Os motoristas ganham um “incentivo” a mais: o pedágio urbano fica mais caro quando o tráfego emperra. Dessa forma, mais de 60% dos deslocamentos dos moradores é feito por meio do transporte público e a meta é de que sejam 75% até 2030. Enquanto isso, em Goiânia ainda engatinhamos na discussão sobre o financiamento do transporte coletivo urbano.
Para transformar esse cenário são necessários investimentos e vontade política. Mas, acima de tudo, mentes criativas. Para usar um termo da moda corporativo-tecnológica, procura-se por gestores disruptivos. Só assim para Goiânia e Goiás deixarem o século 20 e ingressarem, com atraso, no século 21. Ronaldo Caiado, governador, e Iris Rezende, prefeito, deveriam pensar nisso.