Primeiro grande empresário a apoiar o PT, ainda na década de 80, bem antes de o partido chegar ao poder, dono do Moinho Pacífico se diz desencantado com o governo que ajudou a eleger

Foto: Reuters
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Defecções todo grupamento sofre. As pessoas podem mudar de opinião, o que acontece por vários fatores. A revisão de conceitos e de crenças, quase sempre, se dá mediante a tomada de consciência a partir de novas informações e/ou da constatação de que o que parecia ser uma coisa é outra coisa — muitas vezes o contrário.

Um caso típico de tomada de consciência — melhor é dizer caída na real — é o que ocorreu com o empresário nascido na China Lawrence Pih, radicado no Brasil desde os 8 anos e presidente do Moinho Pacífico. Na semana passada, em reportagem do diário “Valor Econômico”, o empresário de 72 anos falou de seu desencanto com os rumos que o País tomou sob condução do partido que ele ajudou a conquistar o poder.

Dono de um dos maiores moinhos de trigo do Brasil, Pih ficou conhecido nacionalmente por ter sido um dos primeiros empresários a apoiar publicamente o PT, quando Lula da Silva perdia sucessivas eleições. Na década de 1990, ele foi vice-presidente do comitê de finanças dos empresários ligados ao PT e, nos anos 2000, integrou o conselho político do partido, época em que era assim uma espécie de guru dos petistas e não só pelas contribuições financeiras, mas também como “formulador” do petismo entre o empresariado.

Com a chegada do partido ao poder, seria natural supor que o empresário sino-brasileiro estivesse supersatisfeito com a concretização do que Lula e sua turma prometiam. Não é bem assim. A realidade é sempre diferente dos chavões pregados em campanhas eleitorais.

Após mais de uma década de PT na Presidência da República, Pih admite que foi excessivamente otimista em acreditar no partido como alternativa de mudança. E critica duramente não apenas política econômica evidentemente equivocada, mas também a política social.

Na economia, o empresário tem razões de sobra para reclamar, já que sente nos próprios negócios as dificuldades que a indústria nacional vem enfrentando. Ele revela que desistiu de fabricar massas e, talvez venha a desistir de biscoitos, porque se convenceu de que a indústria não é o foco nacional. Diz que ser empresário no Brasil é vocação e sacerdócio — não devem pensar assim os donos da JBS e Eike Batista — e resume numa frase o legado que o PT está deixando para o setor: “Em 1995, a indústria era 29% do PIB e hoje é 14%”.

O empresário diz que apesar de ter reduzido a meta de superávit de 3,1% para 1,9% do PIB, o governo está com uma dificuldade grande de cumpri-lo. “A inflação também deve superar o teto de 6,5% neste ano, mesmo com o represamento dos preços dos serviços públicos, energia e combustíveis. Soma-se a isso o fato de o câmbio ser mais administrado pelo Banco Central do que pelas forças do mercado.”

Lawrence Pih é um autodidata aficionado por macroeconomia. Ele analisa que nenhum dos pilares macroeconômicos adotados (na verdade, herdados do governo FHC, que equilibrou a economia nacional) pelo atual governo — superávit primário, meta de inflação e câmbio flutuante — está sendo aplicado com rigor. Além da industrialização de trigo, Pih também acompanha de perto o mercado de capitais, onde investe parte de sua fortuna.

E é justamente a área social, em que o governo petista acha que está fazendo a maior revolução do mundo, que Lawrence Pih critica mais acidamente. Ele reconhece que o partido foi fundamental para tirar 30 milhões de pessoas da pobreza e levar parte delas para a classe média. Segundo ele, é inegável que muitos brasileiros passaram a fazer parte da classe média. Mas essa classe média, diz, é “modesta”, já que a renda per capita dessa faixa, de 292 reais mensais, equivale a apenas 4,30 dólarespor dia.

Pih também diz não acreditar que o desemprego no Brasil se limite aos 5,6% calculados pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que encampa seis regiões metropolitanas. Segundo o empresário, a conta deveria, no mínimo, ser feita a partir da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) contínua, que abrange 3.464 municípios e já aponta uma taxa de desemprego de 7%. Lembrando: o governo petista, por intermédio da senadora Gleisi Hoffmann, quer censurar essa medição mais realista para medir o desemprego.

Ao “Valor”, Lawrence Pih declarou: “Se considerarmos a relação entre brasileiros com idade apta para trabalhar (161 milhões de pessoas) e a população economicamente ativa (98 milhões de pessoas), vamos encontrar uma taxa na casa dos 12%”. E dá o golpe fatal no programa que é a menina dos olhos do governo: “Em muitos casos, não compensa entrar no mercado de trabalho, pois isso significaria perder o auxílio do Bolsa Família”.

Pih faz muitas outras críticas a Dilma Rousseff e ao estatismo que só tem prejudicado a economia brasileira. “Se a ideologia de quem está no poder é de que o Estado tem que ser maior, é difícil você apresentar resultados. É um modelo insustentável… O retrato é que esse modelo afugenta investidores, e estanca o crescimento do país, na medida em que o Estado desperdiça muito dinheiro público. A formação bruta de capital fixo é de 18% no país. A maior parte disso, 16%, é setor privado. Como é que um país cujo Estado tem 43% do PIB só consegue investir 2%? Onde estão os recursos?”.

Há mais uma prova de que o empresário evoluiu na forma de pensar tanto politicamente quanto na vida pessoal. Antes, era taxado de excêntrico, principalmente por causar das sete Ferraris que tinha na garagem. Atualmente prefere se dedicar aos 4,5 mil livros de sua biblioteca. Após a separação da primeira mulher, vivia dando banda nas colunas sociais com atrizes periguetes. Hoje, vive casamento sólido de 14 anos com uma decoradora.

A tomada de consciência sobre o governo petista por parte de Lawrence Pih não se deu neste ano. Já há algum tempo ele percebeu que as coisas estavam ruins. Lembro-me de um debate a que assisti em 2012, na Globo News, entre Pih e o senador Armando Monteiro Neto, ex-presidente Confederação Nacional das Indústrias (CNI), um barão da indústria pernambucana que ingressou na política pelo ninho tucano, foi ao PMDB e desde 2003 está no PTB. Pih trucidou o governista Monteiro Neto, esgrimindo argumentos sólidos sobre erros da política econômica, principalmente no tocante ao descontrole do processo inflacionário.

O presidente do Moinho Pacífico alertou sobre algo que muitos já diziam, mas que tem particular ressonância quando dito por um dos gigantes do setor: a crise da indústria brasileira, que já colocava o Brasil de volta aos tempos de antigamente, como exportador de matérias-primas e importador de produtos manufaturados. Esse cenário é cada dia mais real.

PS.: Nos últimos dias, o roliço ex-craque Ronaldo Fenômeno “rompeu” com o governo por conta dos atrasos nas obras da copa e anunciou apoio ao amigo e presidenciável tucano Aécio Neves. O protesto do ex-jogador é oportunista, porque os problemas não são de hoje. Ademais, ele está ganhando muito dinheiro com o torneio. Estranho que só agora ele tome tal posicionamento, que não parece nada ter a ver com conscientização sobre os equívocos do governo petista. Diferente, muito diferente do empresário Lawrence Pih.